A revolta dos jovens contra a lei que tornará mais difícil a atuação da imprensa independente e de organizações não-governamentais de direitos humanos deve-se ao impacto da medida sobre o sonho do país de ingressar na União Europeia, bandeira da coalizão que tem maioria no  Parlamento, liderada pelo partido “Georgian Dream”, cujo nome é uma referência à adesão ao bloco. 

A União Europeia deixou claro em várias ocasiões que a adoção da legislação teria um impacto negativo no progresso da Geórgia no seu caminho para a UE. Há duas semanas, a presidente do Conselho Europeu, Ursula von der Leyen, emitiu uma nota a afirmando que o país estava “em uma encruzilhada” e deveria tomar medidas para manter o rumo no caminho para integrar a UE. 

 

Como funciona a lei do agente estrangeiro da Geórgia 

A lei do “agente estrangeiro” exigirá que organizações que recebam mais de 20% do seu financiamento de fora do país se registrem como“agentes de influência estrangeira”, uma medida que afeta diretamente ONGs e veículos de imprensa independentes que contam com apoio de fundações, assinantes ou doadores de fora do país. 

Eles serão classificados como entidades que defendem os interesses de uma potência estrangeira, mesmo que suas atividades não se refiram diretamente a quem os apoia ou que a organização de onde vêm os recursos não seja governamental. 

Os rotulados como agentes estrangeiros ficam obrigados a apresentar balanços financeiros anuais detalhados. E a lei concede ao governo poderes ainda não especificados, segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas, para monitorar suas atividades.

As organizações que não se registarem ou não fornecerem os dados exigidos estarão sujeitas a multas de 25.000 lari (US$ 9,5 mil) e multas mensais de 20.000 lari (US$ 7,5 7) se continuarem a descumprir o regulamento. 

 

A lei da Rússia que inspirou a da Geórgia existe desde 2012, antes da guerra com a Ucrânia, e tem sido largamente utilizada para exterminar a imprensa independente do país, não poupando sequer o jornalista vencedor do Prêmio Nobel da Paz 2021, Dmitry Muratov. 

Na Rússia, veículos de mídia rotulados como agentes estrangeiros passaram a enfrentar dificuldades para conseguir anúncios, doações, anunciantes e até leitores. Eles podem ser criminalizados se compartilharem nas redes sociais o conteúdo de um “agente estrangeiro”. 

Por causa da lei, muitos veículos independentes desapareceram ou tiveram que se exilar, passando a funcionar fora do país, mas ainda assim há riscos para a segurança de qualquer colaborador que esteja na Rússia. 

 

 

Geórgia havia recuado na tentativa de aprovar o projeto em 2023

A Georgia tem uma presidente para funções cerimoniais, Salome Zourabichvili, mas o controle do país é feito pelo partido que tem maioria no Parlamento. O primeiro ministro é Irakli Kobakhidze, do partido Georgian Dream, no cargo desde 2021. 

O partido foi criado pelo bilionário Bidzina Ivanishvili, que hoje é seu presidente honorário, e que supostamente tem laços com a Rússia. Ivanishvili adota um discurso anti-Ocidente semelhante ao do presidente russo, Vladimir Putin. 

O Georgian Dream (referência ao sonho de inserir o país na UE) não se dobrou aos protestos contra a nova lei, embora no ano passado uma forte oposição à medida tenha levado à suspensão de uma primeira tentativa. 

As manifestações nas ruas contrárias à retomada vinham acontecendo há um mês, mas alcançaram seu auge no domingo (12), quando mais de 50 mil pessoas protestaram diante do Parlamento.

 

Nesta terça-feira, uma multidão formada principalmente por jovens tentou derrubar as barreiras metálicas colocadas pela polícia em torno do prédio do Parlamento e foi reprimida com violência pela polícia.

Lá dentro a sessão de aprovação da chamada “lei russa”  foi tensa, com empurrões e trocas de insultos entre os parlamentares do partido que domina a casa e os opositores.

 

 

Sanções à Geórgia e riscos para futuro na UE

A presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, disse que vetaria a lei que afeta dramaticamente a liberdade de imprensa e de expressão se ela fosse aprovada pelo Parlamento, como acabou acontecendo.

Mas o partido no poder tem a prerrogativa de anular vetos ao obter 76 votos – foram 84 – , deixando o caminho livre para o primeiro-ministro sancionar. 

“A aprovação da legislação sobre ‘agentes estrangeiros’ pelo partido governante Georgian Dream, apesar da significativa oposição pública, deverá sufocar a liberdade de imprensa na no período que antecede as eleições parlamentares de outubro”, disse Gulnoza Said, representante do Comitê de Proteção a Jornalistas para a Europa e Ásia Central do CPJ.

“As autoridades da Geórgia não deveriam avançar com a lei ao estilo da Rússia, a menos que queiram desviar o país do caminho da União Europeia e colocá-lo nas garras do Kremlin.

Os líderes europeus e internacionais devem transmitir ao governo que o país não pode avançar nas suas aspirações da UE se a lei entrar em vigor.”

Potências ocidentais, incluindo os EUA, sinlizaram com a possibilidade de sanções à Geórgia. 

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre apelou ao presidente da Geórgia para vetar a lei. O país confirmou que planeja “reavaliar” os seus laços com o país.

Volker Turk, comissário de Direitos Humanos das Nações Unidas, “lamentou profundamente” a aprovação da Lei sobre Transparência da Influência Estrangeira.  Pelo Twitter / X, ele disse:

“Os impactos nos direitos à liberdade de expressão e associação na Geórgia, infelizmente, correm agora o risco de ser significativos.”

A Human Rights Watch afirmou que a lei que “visa silenciar os meios de comunicação social e a sociedade civil” é uma ameaça aos direitos humanos e precisa ser eliminada.