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Uso descontrolado da internet pode levar à ideação suicida em universitários

Pesquisa da USP, que envolveu 503 estudantes da área de saúde de uma universidade pública de Alagoas, mostrou maior ideação suicida entre alunos que reportaram dependência moderada ou grave da internet

08 Abr 2024 - 08h00Por José Adryan Galindo*/Jornal da USP
Segundo estudo, jovens no ensino superior sofrem uma pressão intensa para se adaptarem às dinâmicas de mudança social  - Crédito: Fotomontagem: Jornal da USP  Imagem: FreepikSegundo estudo, jovens no ensino superior sofrem uma pressão intensa para se adaptarem às dinâmicas de mudança social - Crédito: Fotomontagem: Jornal da USP Imagem: Freepik

Difícil encontrar um jovem que não use internet no seu dia a dia, mas o uso abusivo pode ter influências negativas na saúde mental dos usuários. Um estudo da USP identificou uma maior prevalência de ideação suicida entre estudantes universitários considerados dependentes da internet. De acordo com o trabalho, o vício em internet é um fator de risco para o suicídio tanto quanto a ansiedade e depressão.

A professora da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), Irena Penha Duprat, abordou o tema em sua tese de doutorado. Intitulado O papel da internet na saúde mental de jovens universitários e sua relação com ideação suicida, o trabalho foi defendido neste ano na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. 

“Eu sou docente em Maceió, na Uncisal, já tem 12 anos. E entre 2016 e 2018, a gente começou a ter casos de estudantes com tentativa de suicídio. Na época do processo seletivo do doutorado, este era um tema que eu queria trabalhar. A dependência da internet hoje vem sendo mais explorada do que há alguns anos”, afirma em entrevista ao Jornal da USP. O trabalho foi orientado pela professora Frida Marina Fischer, da FSP.

Começando com a pesquisa quantitativa, uma série de questionários foi enviada a alunos da área de saúde da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Selecionados de forma aleatória, Irena recolheu informações de 503 alunos. A partir destes dados, foi possível observar uma série de padrões preocupantes nas respostas dos jovens. Entre eles, a quantidade de alunos com familiares ou amigos que já tentaram ou consumaram o suicídio.

Irena Penha Duprat - Foto: CV Lattes

 

  • 10,3% dos estudantes relataram algum caso de suicídio na família, o que corresponde a 52 pessoas; 
  • Dos 503 estudantes que responderam, 131 afirmaram que algum familiar já havia tentado suicídio (26%); 
  • Com relação a um amigo ou amiga, os números foram ainda maiores. 12,5% de respostas, ou seja, 63 alunos afirmaram que algum amigo já tinha se suicidado; 
  • 222 disseram que algum amigo já havia tentado o suicídio.

 

Ainda de acordo com a pesquisa, a ideação suicida foi maior entre estudantes que reportaram dependência moderada ou grave da internet (27,9%). Estudantes com risco para desenvolver depressão apresentaram maior frequência de ideação suicida (19,4%), bem como aqueles com nível de ansiedade alto. “E isso se deu tanto na avaliação da ansiedade estado (30,4%) como na ansiedade traço (32,9%)”, informa a pesquisadora. Ansiedade traço, aqui descrita, refere-se a um traço individual de personalidade, diferente de um estado emocional transitório.

Os casos de ideação suicida não são objeto de notificação, porém requerem ações de atenção integral à saúde. Geralmente, estão entre as primeiras manifestações do comportamento suicidário, que pode ser interpretado como um processo de pensamento e construção de morte por suicídio.

Há ainda a tentativa de suicídio – caracterizada pelo planejamento e pela atitude de pôr fim à vida, mas que não resulta em morte – e o suicídio consumado.

Relação com a internet

O número de suicídios entre jovens subiu 17% entre 2000 e 2019 na América Latina, e o Brasil segue o ritmo de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. De 2012 a 2021, 8.391 adolescentes brasileiros entre 15 e 19 anos cometeram suicídio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2000 a 2019 o suicídio foi a quarta causa de morte mais recorrente entre jovens de 15 a 29 anos em todas as Américas. Os dados reforçam ainda mais a importância de pesquisas que não apenas levantem dados, mas busquem entender as possíveis causas.

De acordo com o estudo de Irena, o cenário se agrava com jovens cada vez mais viciados de forma moderada ou grave na internet. De acordo com a pesquisa, um fator que contribuiu para o aumento desses números foi a pandemia de covid-19.

“O aluno tinha muito mais tempo em casa, consequentemente mais tempo on-line. Fizemos, inclusive, uma pergunta em relação a ele ter percebido um aumento de consumo da internet após o início da pandemia. Praticamente todos responderam que sim (houve aumento)”, conta a pesquisadora que também é enfermeira e mestra em Ciências da Saúde. Segundo os dados levantados, 93% dos participantes aumentaram o consumo de internet durante o isolamento social, com 68% classificando o aumento “alto” ou “muito alto”. Sobre os impactos desse aumento, no entanto, ficou praticamente empatado quem achou que as influências foram maléficas e quem se mostrou indiferente.

Depois da primeira abordagem quantitativa, 11 alunos que demonstraram ter maior propensão à ideação suicida foram chamados para uma fase de entrevistas. Nesta etapa, foi possível entender de forma mais precisa o que os levava à ideação suicida e como a internet os afetava. Irena afirma que foi nesse momento que a relação entre os pensamentos suicidas e o consumo exagerado de internet ficou mais evidente, principalmente para as entrevistadas do sexo feminino.

“Uma estudante relatou que sofria cyberbullying através do Twitter e isso a deixava muito mal, a ponto de ter esses pensamentos. Outra coisa que veio muito forte, trazida principalmente pelas participantes do sexo feminino, foi a influência das redes sociais em relação a um padrão de beleza. Você se sentir mais próximo de pessoas muito bonitas que, na verdade, muitas vezes têm uma falsa aparência, né? Por meio de filtros de tudo que se coloca ali”, aponta. Além da necessidade constante de aprovação externa, o uso de algumas mídias sociais, especialmente o Instagram e o Facebook, vem sendo apontado pela comunidade científica como preocupante à saúde mental das mulheres, “uma vez que as torna vulneráveis à representação consistente da mídia de um tipo de corpo idealizado e muitas vezes inatingível, permeado pelos ideais de aparência”, como mostra o estudo.

Perigo para os universitários

De acordo com a pesquisa, jovens no ensino superior sofrem uma pressão intensa para se adaptarem às dinâmicas de mudança social, demandando grande esforço mental. Os universitários podem se sentir ansiosos, estressados ou até tristes, o que pode levá-los a utilizar a internet como “fator compensatório”, como forma de lidar com estressores cotidianos. A pesquisa destaca que os 11 estudantes entrevistados na fase qualitativa da pesquisa já apresentavam risco de sintomas depressivos, de acordo com os formulários analisados individualmente.

“A transição da adolescência para a vida adulta já é um período marcado por muitas mudanças fisiológicas e naturais do desenvolvimento da pessoa, coincidindo com o ingresso na universidade. Muitas vezes isso vem com a expectativa dos pais, que dizem ‘ah, meu filho está entrando na universidade’, junto à mudança natural da adolescência para a fase adulta, em que tudo é novo, desconhecido. São diversas situações que fazem com que esse jovem possa ter a ideação suicida.”

Além disso, Irena destaca a influência de fatores externos, como sair da cidade natal, morar em repúblicas com pessoas novas, além da distância da família e dos amigos. “É muita mudança na cabeça e quando ele se vê sem o apoio da família, dos amigos, existe uma predisposição ao surgimento dos transtornos mentais nessa época da vida”, comenta.

Apesar de ser um tema difícil de abordar, a pesquisadora acredita que estudar e entender o fenômeno seja o primeiro passo para pensar em soluções. Entre elas, a pesquisadora propõe utilizar a tecnologia atual para cobrar das redes sociais uma fiscalização mais severa, que impeça a propagação de cyberbullying, por exemplo. 

“É necessária uma campanha inicialmente pensando a questão do consumo consciente, a qualidade e a quantidade de tempo gasto na internet. Principalmente para os adolescentes, pois o vício começa desde muito cedo”, aponta a cientista.

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto

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