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De superlotação a surto de doenças, 'raio-x' expõe as lacunas do sistema carcerário de MS

Com dois presos para cada vaga, superlotação e precariedade são rotina no sistema carcerário de MS

24 Mai 2024 - 16h24Por Lethycia Anjos/Midiamax
Dia do detento - Crédito: Ilustração feita a partir da foto de Antônio Cruz/ABr (Madu Livramento, Midiamax)Dia do detento - Crédito: Ilustração feita a partir da foto de Antônio Cruz/ABr (Madu Livramento, Midiamax)

Com 17.789 presos para 10.052 vagas, as unidades prisionais de Mato Grosso do Sul enfrentam um grave problema de superlotação. Somente no período de julho a dezembro de 2023, o déficit de vagas prisionais chegou a 177%. Com quase dois presos para cada vaga disponível, a conta não fecha e o problema por trás dos muros se perpetua.

Em 2023, o total de custodiados no Brasil atingiu o patamar de 852.010 pessoas, número quase equivalente à população de Campo Grande, que conta com 898.100 habitantes.

População carceráriaPopulação carcerária (Henrique Arakaki, Midiamax)

 

Neste Dia do Detento, celebrado na sexta-feira (24), a reportagem do Jornal Midiamax apresenta um ‘raio-x’ que expõe as lacunas do sistema carcerário de Mato Grosso do Sul.

Os dados fazem parte do 14º ciclo do levantamento sistemático da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), referente ao período de julho a dezembro de 2023. Esse levantamento é essencial para nortear políticas públicas voltadas a detentos, dentre elas, a ressocialização e logística.

Sistema prisional sempre esteve em déficit

Dados SenappenCapacidade dos presídios (Senappen)

 

Apesar do aumento gradual no percentual de vagas ao longo dos anos, os dados revelam que, durante todo o período da série histórica de 2016 a 2023, Mato Grosso do Sul nunca registrou um superávit de vagas. Em outras palavras, sempre houve mais presos do que o número de vagas disponíveis.

No último semestre do ano passado, o número de pessoas em cumprimento de pena no Estado chegou a 22.024. Desse total, 17.789 estão em celas físicas, enquanto 4.235 cumprem prisão domiciliar.

Dia do detento

Raio-x (Henrique Arakaki, Midiamax)

 

Das 10.052 vagas disponíveis, 9.076 correspondem ao presídio masculino, o que representa cerca de 90,29%. Outras 976 são destinadas a unidades prisionais femininas, totalizando 9,71%. Além disso, Mato Grosso do Sul desativou 365 vagas e classificou outras 16 como não aptas no último semestre de 2023.

Das 42 unidades prisionais do Estado, nove possuem vagas exclusivas para pessoas LGBTQIAPN+. Ao todo, são 137 vagas destinadas ao público LGBT, distribuídas em quatro estabelecimentos penais com celas exclusivas e cinco com alas prioritárias.

Quem compõe o sistema carcerário?

Presídio em MSPresídio em MS (Henrique Arakaki, Midiamax)

 

Por trás das grades, diferentes perfis e histórias compõem a população carcerária de Mato Grosso do Sul. Em relação ao gênero, os dados mostram que 93% dos presos são homens, totalizando aproximadamente 14.542 indivíduos. Em contraste, a população feminina representa 6,69%, ou seja, 1.043 pessoas custodiadas.

Ao definir um recorte de raça, os dados mostram que mais da metade da população carcerária, 57,03%, se consideram pardas. Na sequência aparecem brancos (29,26%), pretos (11,8%), indígenas (2,42%) e amarelos com 0,21% do total.

Conforme o levantamento, Mato Grosso do Sul abriga 377 indígenas sob custódia, o que representa cerca de 29,41% de todos os 1.281 indígenas encarcerados no Brasil.

Dados SenappenRecorte de raça (Senappen)

 

No perfil de mulheres encarceradas, as mães correspondem a um percentual considerável, do total de mulheres privadas de liberdade, 379 são mães, enquanto 107 não possuem filhos. Os dados também revelam que há 11 gestantes, 13 lactantes e oito bebês que permanecem nas unidades prisionais acompanhados de suas mães.

Quanto à faixa etária, a maioria dos custodiados tem entre 35 e 45 anos (5.493). Em seguida, aparecem as faixas etárias de 30 a 34 anos (3.519), 25 a 29 anos (3.418), 40 a 60 anos (2.201), 61 a 70 anos (422) e mais de 70 anos (36 custodiados).

Há ainda 256 custodiados com deficiência em Mato Grosso do Sul, sendo 255 homens e apenas uma mulher. Entre eles, dez são cadeirantes. No entanto, o Estado conta com apenas 55 vagas exclusivas para pessoas com deficiência dividas nas 42 unidades prisionais, o que resulta em percentual de 4 presos por vaga.

Incidência de crimes expõe falhas na política de repressão às drogas

Dia do detentoDia do detento (Henrique Arakaki, Midiamax)

 

Dentre as 16.585 incidências criminais registradas em Mato Grosso do Sul, 4.271 correspondem à Lei de Drogas, que instituiu o Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) e prescreve normas para repressão ao tráfico. Esse dado reflete diretamente na superlotação do sistema carcerário, visto que 25% dos presos cumprem pena por tráfico de drogas.

Dados SenappenIncidência de crimes (Senappen)

 

O custo mensal para manter um preso em Mato Grosso do Sul é de R$ 2.324,75, cerca de R$ 230,33 a mais que a média nacional. Considerando apenas os presos por tráfico de drogas, o valor gasto anualmente chega a R$ 119 milhões, sem incluir os custos com o aparato estatal. Em paralelo, em 2023, o Estado recebeu um incentivo de R$ 120 milhões para políticas de combate e repressão ao tráfico de drogas.

Com o valor gasto quase equivalente ao destinado às políticas de repressão, o combate ao tráfico de drogas no Brasil se mostra ineficiente. Enquanto isso, a falta de oportunidades econômicas lícitas cria incentivos para que o tráfico continue perpetuando a superlotação dos presídios.

Mais de 96% dos crimes violentos são cometidos por homens

Dados SenappenCrimes violentos (Senappen)

 

Uma análise mais detalhada dos crimes que resultam em encarceramento mostra que os homens cometem 90% desses delitos. Esse dado permite traçar um paralelo sobre como a estrutura patriarcal da sociedade e a desigualdade de gênero refletem na violência.

Ao focar nos crimes violentos, essa relação se torna ainda mais evidente. De acordo com a Senappen, 96% dos crimes de estupro, violência doméstica, feminicídio, tortura e extorsão também foram perpetrados por indivíduos que se identificam como homens.

Vale destacar que o sistema faz a separação apenas entre feminino e masculino, sem considerar recortes de gênero e orientação sexual.

Alta propagação de doenças negligencia acesso à saúde

Atendimento de saúde em presídios – Ilustração feita a partir da foto da Secretaria Municipal de Saúde de Natal (Madu Livramento, Midiamax)

 

A população privada de liberdade tem o direito ao acesso aos serviços de assistência à saúde garantidos pela Constituição Federal e regulamentados pela Lei Nº 8.080/1990, que rege o SUS (Sistema Único de Saúde), e pela Lei de Execução Penal. Contudo, a superlotação e as condições precárias dos presídios expõem essa população a uma série de doenças e agravos à saúde. Entre janeiro a dezembro de 2023, Mato Grosso do Sul contabilizou 65 óbitos de detentos.

Dados da Senappen revelam que a tuberculose é a principal doença registrada nos presídios de Mato Grosso do Sul, afetando 564 detentos nos últimos seis meses do ano passado. Outros problemas de saúde significativos incluem o HIV, com 452 casos, sífilis (361), hepatite (61) e hanseníase, com 22 casos.

Dados SenappenTipificações criminais (Senappen)

Diversos fatores contribuem para a disseminação das doenças, o que inclui a estrutura física dos presídios. Problemas como a baixa entrada de luz, espaços com pouca ventilação, alta umidade e presença de mofo nas celas estão entre os principais desafios enfrentados. Dessa forma, as condições inadequadas criam um ambiente propício para a proliferação de doenças, agravando ainda mais a situação sanitária.

PresídiosAtendimento de saúde em presídios (Divulgação, SES)

 

Em 2024, Mato Grosso enfrentou um surto de sarna e furúnculo que afetou cerca de 500 detentos na Penitenciária Estadual de Dourados. Para controlar a propagação, a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) adotou medidas emergenciais de higienização e sanitização. Além disso, novos colchões substituíram os contaminados, e implantou-se o uso de uniformes para os internos.

Dia do detentoPresídio da Gameleira (Henrique Arakaki, Midiamax)

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