Londres – Sábia na comunicação com a sociedade, a rainha Elizabeth II tinha um lema famoso, “I have to be seen to be believed” (preciso ser vista para acreditarem em mim), frase que em tempos de mudanças climáticas pode ser adaptada para “é preciso sentir para acreditar”, conforme uma nova pesquisa apontou. 

O trabalho feito pelo Centro de Políticas Públicas da escola de comunicação Annenberg, da Universidade da Pensilvânia, constata que a exposição direta a condições meteorológicas severas – como a tragédia no Rio Grande do Sul – está diretamente associada ao apoio a políticas que abordam os efeitos do aquecimento global, desafiando até visões partidárias. 

Embora seja positivo constatar que o negacionismo pode ser revertido por experiências pessoais, o resultado do estudo é um sinal da dificuldade que imprensa e cientistas têm para convencer o público sobre a crise do clima apenas com suas narrativas.

 

Por outro lado,  a pesquisa indica que os eventos climáticos extremos representam uma oportunidade para a causa, desde que as explicações sobre por que eles estão acontecendo sejam bem fundamentadas e claras – é a chamada ciência da atribuição

 

 

 

Céticos mais inclinados a acreditar no aquecimento global 

O estudo feito pela Annenberg, divulgado na abertura da conferência anual da Sociedade de Jornalistas Ambientais, envolveu mais de 1,5 mil adultos nos EUA, e não deixa dúvidas sobre a percepção de que algo mudou no clima até mesmo entre os menos inclinados a acreditar nisso – um passo adiante em comparação ao passado em que mais gente se recusava a admitir as alterações.  

Mais de quatro em cada 10 entrevistados (45%) afirmam que as temperaturas onde vivem foram mais altas do que o normal no verão passado. Dois terços (68%) dizem que o calor extremo ao ar livre às vezes (34%), frequentemente (19%) ou frequentemente (16%) afetou suas atividades diárias típicas.

Metade (50%) afirma que a má qualidade do ar resultante da fumaça de incêndios florestais às vezes (31%), frequentemente (12%) ou muito frequentemente (7%) afetou seu cotidiano, enquanto 29% afirmam que as inundações produzidas por níveis incomuns de chuva às vezes (20%), frequentemente (6%) ou muito frequentemente (3%) causaram problemas. 

 

 

Pesquisa avaliou relação entre inclinação política e crença na mudança climática

A pesquisa constatou que mais de metade dos americanos é fortemente ou até certo ponto a favor de medidas governamentais destinadas a mitigar os efeitos das alterações climáticas decretadas recentemente pela administração de Joe Biden. 

Como de hábito, conforme pesquisas anteriores, os que votam no partido Democrata são os mais favoráveis, enquanto a adesão dos republicanos é menor de forma geral. 

A concessão de créditos fiscais para carros elétricos, por exemplo, é vista com simpatia por 46% dos participantes do estudo, dos quais 71% democratas e 26% republicanos. 

A distância entre republicanos e democratas que aprovam empréstimos a fundo perdido para comunidades rurais que melhoram a eficiência energética é de 49 pontos percentuais, e a dos que acham boa ideia tributar empresas com base em suas emissões de carbono é de 48 pontos. 

Mas quando os pesquisadores examinaram as opiniões daqueles que admitem ter sofrido diretamente os efeitos das mudanças climáticas a situação muda.

Segundo o estudo da Annenberg, os republicanos que relatam ter sofrido condições meteorológicas extremas apoiam mais as políticas de mitigação das mudanças climáticas do que aqueles que não o fazem, e o mesmo se aplica aos democratas.

Katherine Hall Jamieson, diretora do Centro de Políticas Públicas da Escola de Comunicação Annenberg, disse que “os resultados apontam para uma nova área importante, na qual a comunicação desempenha um papel crucial”. 

 

 

Como o jornalismo pode convencer? 

As impressões reveladas na pesquisa estão em linha com algumas das recomendações contidas em um guia para jornalistas que cobrem a mudança climática feito pela coalizão de jornalismo ambiental Covering Climate Now. 

O documento lembra que as alterações climáticas são uma grande pauta global, mas, na sua essência, afetam gente comum as suas vidas cotidianas. E afirma que o público deseja uma cobertura que reflita isso, incluindo perspectivas locais sobre como as pessoas estão vivenciando as mudanças climáticas e o que podem fazer a respeito.

A Covering Climate Now também recomenda aos jornalistas um esforço para entender o próprio público, levando em conta o quanto ele sabe sobre a questão e suas convicções  – incluindo aquelas associadas à inclinação política.

Isso ajuda a calibrar o conteúdo, em sintonia com o grau de conhecimento e na adesão a crenças nem sempre apoiadas na ciência. 

O guia completo pode ser visto aqui