#Pensamentos com vista para o amor
#####Lúcia Rosenberg
Há uma dessas sabedorias passadas pela mãe, que veio da avó, e que diz: “Ao homem cabe dar; à mulher, receber e inspirá-lo a dar.” Quais serão os contornos da relação amorosa hoje? Com certeza, a imagem do casal mudou muito nesses 60 anos – de uma relação totalmente assimétrica, evoluiu para uma parceria e, embora eu saiba que isso nada tem a ver com o sentimento amor, com certeza influencia muito aquilo que se expressa.
Até meados do século passado, o homem devia cuidar, proteger, prover e mandar em sua mulher. Dele eram as regras e a moral, dele era o nome a zelar, bem como a casa, o dinheiro e, naturalmente, a esposa deveria encaixar-se nesses moldes. Minha mãe contava uma passagem reveladora: recém-casados, meus pais arrumavam suas coisas na nova casa, quando ela encontra, numa bolsinha sua, algumas poucas moedas esquecidas ali. Pois não é que ele a fez devolver ao pai, porque era ele, de agora em diante, o responsável pelo sustento dela! E ela contava que sentiu-se segura e confiante naquele jovem marido – que, é justo mencionar, honrou o compromisso até depois do fim da vida.
A figura do homem como cabeça do casal era comum, portanto aceita e desejável. As mulheres casavam muito jovens e muitas nem haviam namorado outros rapazes – eram imaturas e inexperientes com a vida em geral. Assim, a proteção do marido lhes caía bem. Estar dentro de casa, cuidando da comida, da roupa e das compras e esperá-lo cheirosa, com jantarzinho pronto e ávida pelas notícias e assuntos que ele trazia de fora já era sinal de plena felicidade.
Ela desejava, no máximo, um elogio pela comida gostosa, um afago carinhoso, dois dedinhos de prosa (quando muito) e um sexo nem sempre gozoso, pois para isso trabalhamos duro ali pelos anos sessenta! Amélia que era mulher de verdade e atrás de um grande homem, havia sempre uma grande mulher. Atrás. Assim era e ambos ficavam satisfeitos. Assim era, enquanto ambos estiveram satisfeitos.
Até que chegou o tempo da revolução, que acontece quando a insatisfação se instala. Aquele amor centrado no homem passou a ferir as mulheres que queriam mais do que a casinha do imaginário de menina, o príncipe da juventude ou o castelo com o rei. Algumas mulheres queriam expressar-se, ter reconhecidos os talentos, queriam amadurecer e não, simplesmente, envelhecer.
Começaram a ficar revoltadas com a transparência de seus papéis e invisibilidade de suas necessidades individuais. O descaso por seus anseios e sonhos levou muitas à depressão e algumas ao desquite. A relação amorosa dentro daquele formato estava em cheque e já não conseguia suprir nem servir ao sentimento de amor.
Amor parecia demandar mais intimidade, mais parceria. No filme “Avatar”, de James Cameron, os Na’vi não dizem “eu te amo”, mas “eu te vejo”. Este me parece ser o pulo do gato, a nova senha para o amor mais profundo: um enxergar o outro com seus talentos e limites, com seu melhor e seu pior – na profundidade que nos faz ser quem somos.
Assim, a parceria se fortalece, pois os dois estão ali inteiros e não mutilados nem recortados em papéis preestabelecidos ou projetados pelo parceiro. O homem não precisa mais carregar o sustento e o comando sozinho e a mulher não mais se restringe ao papel de uma boa governanta da vida do casal.
Encontro nos amores de agora mais espaço pra cada um, onde ambos torcem pelo sucesso profissional do outro, onde cada um cuida pro outro estar feliz e podendo crescer e evoluir nos seus caminhos individuais – porque sabemos que a satisfação pessoal traz mais felicidade até para a relação. O amor deve fertilizar o casal e não podar e cercear; deve ser grande o suficiente pra que caibam os dois em seus domínios, onde ambos se sintam reconhecidos, aceitos e valorizados.
Felicidade é despir-se de papéis e armaduras e revelar sua essência, para poder ser à vontade ao lado de quem se ama. E a sabedoria antiga se confirma e ganha força porque, agora, ambos se sentem inspirados a dar algo pra relação crescer e prosseguir. Juntos, inteiros e atentos.
#####* Lúcia Rosenberg é psicóloga pela PUC-SP, mestre em Psicologia pela New School for Social Research em Nova York