Mas não, logo depois ela veio com esta:
- Mãe, quero te pedir um presente. Eu que queria que nós duas tivéssemos
uma tatuagem igual.
- Como assim? O meu presente era a festa. Você quer fazer uma tatuagem?
- Não é isso. Eu quero fazer uma tatuagem igual à sua, um dia.
- Mas eu nunca fiz uma tatuagem!
- Eu sei, mas pode fazer.
- Eu nunca quis fazer. Nem quero agora. Que tatuagem você faria, filha?
- Pensei numa rosa, de Rosenberg. E nem precisa decidir agora, eu só tenho quinze anos, mesmo.
Aí ela quebrou minhas pernas, acertou direto no coração que se encheu de orgulho.
- Venceu, sua idéia é mesmo muito linda e eu adorei o convite, mas preciso pensar. Temos tempo, não é?
- Todo o tempo que você quiser, mas pensa com carinho.
E eu pensei sempre muito emocionada no fato dela ter tido essa ideia, principalmente; envaidecida, lisonjeada, me enchia com um amor especial, parecia que tinha sido pedida em casamento! Passado um tempo, antes dela completar 18, tentamos ir a um tatuador mas ele se recusou a fazer o serviço, mesmo comigo junto.
Ufa, ganhei mais um tempinho. Apelei até, ofereci a ela fazer sua tattoo se quisesse, porque eu não estava pronta e, claro, ofendi a menina... que esperava pacientemente o tempo das coisas.
Passaram-se seis anos, durante os quais eu realmente acalentei a idéia, flertei com formas e lugares pra tatuar meu corpo e deixei madurar o convite na coragem e no coração. Nossa relação merece ser coroada, eu já havia decidido, mas nunca tive a iniciativa, fiquei na retranca. Outro dia, acordou pronta: quero fazer a tatuagem hoje. Conheço esse tom, dela. Melhor era partir para ação imediata.
Primeira investida foi furada, encontramos uma espécie de fast-tatoo, e o artista não tava nem um pouco interessado na nossa história, nem no pacto e nem no desenho inspirador. Com um “marca hora, eu decalco um desenho, se você gostar, a gente faz, senão, não” e pior, nem tinha horário para as duas juntas – ela iria num dia, eu no outro! Nã, nã, nã, nada disso estava bom. Procurei outra indicação e fomos conversar com o Fábio que escutou nossa história e curtiu o pacto porque acredita que tatuagem tem que ter sentido.
Pacientemente ele desenhou rosas e rosas sem conseguir alavancar a adrenalina da gente. Rabisquei o que eu chamei de esboço da alma da rosa que a gente gostaria e ele foi em frente, calmo e concentrado. Até que mostrou o que fez e a Raquel gritou “se eu visse uma tatuagem dessas em alguém, eu morreria de inveja!”
Apesar dela, em absoluto silêncio, ter duvidado de minha decisão até o último instante, voltamos ao Studio uma semana depois de escolhido o desenho e fizemos juntas, nossa marca eterna. Com um divertido enredo pra sempre guardado, do dia-em-que-fizemos-nossa-tattoo, saímos de lá inacreditavelmente mais unidas. É linda, a nossa rosa. Idêntica e no mesmo lugar do corpo. Sinto uma força enorme nesse gesto, no convite que ela me fez, no espaço que eu abri para aceitá-lo e nos momentos marcantes que a idéia já criou. Um pacto, uma aliança. Nossos olhares se cruzam diferentes, desde então, há um não sei que, que brilha não sei de onde, e que nos faz sorrir.
Poucas coisas são pra sempre. Filho é. Ah, tatuagem, também!
######* Lúcia Rosenberg é psicóloga pela PUC-SP, mestre em Psicologia pela New School for Social Research em Nova York