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Sétima Arte: Celso Marques faz ‘cinema verdade’

30 Jun 2011 - 22h41
Marques no estúdio montado num pequeno quarto no fundo da casa - Crédito: Foto : Maria Lucia ToloueiMarques no estúdio montado num pequeno quarto no fundo da casa - Crédito: Foto : Maria Lucia Tolouei




“Arranquei os dentes e coloquei outros num mesmo dia, para ir, mas não fui. Não deu certo. Houve um contratempo”. Celso perdeu contato com a produtora que o localizou em Santos. “Era para falar com o ‘Val Carterron’, diretor de teatro que se formou com José Wilker, Nuno Maia. Mas pagava mal, não compensou. Tudo glamour, me lasquei”, lembra.

Acabou fazendo figuração em “A chegada de Martin Afonso no Brasil”, no ano de 2003, um dos maiores espetáculos ao livre montado numa arena de 20 mil metros quadrados de área. “Tinha um elenco de 850 figurantes e atores famosos, como Carol de Castro, Nuno Maia, Caíque Brito e outros, dirigidos por Roberto Mackenzie”, recorda.

Foram três meses de ensaios. Marques, que deu vida a um chefe guerreiro tupynambá, liderava equipe de 20 figurantes que atuavam numa batalha.
A música ‘dava a deixa’ e lá iam Marques e a trupe, caras pintadas, a se digladiarem na arena sob holofotes e olhares de milhares de espectadores, na Praia da Biquinha, em São Vicente, onde aportou Martin Afonso. Duas horas de atuação perante uma platéia de 25 mil pessoas.

Fez outras ‘pontas’ em produções onde atuaram grandes nomes nos papéis principais. Foi o soldado que pregou Jesus de Nazaré na cruz, em “Paixão de Cristo” (2003). Desta vez não teve ensaio, foi ‘na raça’.


Na cidade paulista de Pedro Toledo, participou da comédia “A verdadeira história de Billy The Kid”.

Aprendeu a ‘manha’, pegou ‘gosto pela coisa’ e viu que dava conta do recado. Dono de um senso crítico aguçado, Marques resolveu registrar o cotidiano. Um ‘Nelson Rodrigues do cerrado’. Entre um gênero e outro, conseguiu “fazer as coisas do nada”, como faz questão de dizer.


O sul-mato-grossense que não tem medo de errar afirma com todas as letras: não gosta da palavra sonho. “Nunca foi homem de sonhar com nada. Eu realizo”. Ponto para ele que sem apoio ou dinheiro, nem ao menos roteiro no papel, conseguiu produzir cinco filmes de curta e média metragens, um por ano. “Não tem retorno financeiro, é tudo feito ‘na raça’, mais por satisfação. Faço porque gosto. É um desafio”, comenta ele, que fala com desenvoltura das técnicas de filmagem.

O Regenerado, filmado em São Paulo no ano de 2005, abriu a carreira do corajoso cinegrafista. Trata-se da saga de um mendigo alcoólatra que venceu a doença e tornou-se escritor.



O filme de média metragem, com 40 minutos, ficou entre os 20 aprovados para a 4ª edição do Festival de Curtas de Santos. Tentou emplacar no Mapa Cultural Paulista, “uma espécie de FIP daqui [MS]”, salienta. Competiu com outro mas perdeu.

“O cara que editou teve problemas e chegou com o filme na hora do julgamento; deu tempo e chegou a ser exibido, também. Se fosse hoje não teria para mais ninguém”, arrisca Marques que participou da história do Billy The Kid em troca da filmagem do “O Regenerado”.

“Criei este personagem de raiva da sociedade hipócrita”, conta Marques. O ressentimento dele tem razão de ser. Envolvido no mundo da sétima arte ‘tupiniquim’, o sul-mato-grossense que deixou tudo para trás e se mudou para São Paulo, conseguiu mais do que almejava. Àquela altura da vida, após uma série de dissabores, já tinha adquirido um pequeno pedaço de terra e uma casinha que mantêm até hoje em Peruíbe (SP).

Começava a produzir de forma independente, sem dinheiro nem apoio, e conta que até ajudou a fundar a Academia de Letras daquele município. Era ‘dono’ da cadeira de número 3. “Todo mundo estava preocupado com o que eu ia vestir na festa da posse. Acho que fui um dos poucos com terno...”. Aliás, o filme da posse do ‘imortal’ Celso Marques é uma das cenas do “O Regenerado”.



Mas a decepção chegou mais rápida do que ele poderia imaginar. Foi destituído. “Eles [membros] não aceitavam que alguém como eu, sem estudo, estivesse ali. Não engoliam a história de que um homem que não tinha nada, considerado um bicho do mato, poderia fazer parte daquilo. Não é preconceito, é realidade! Se não tiver faculdade não tem valor”, menciona o cinegrafista iniciante que levou mulher, filhos e até um sobrinho, “tudo gente da família ou conhecidos” para atuar. A expressão desta gente, na tela, é indescritível. Pessoas sofridas que conseguiram agregar o máximo de realidade às cenas. “Não conseguia pagar outros. Se pagava não rodava o filme”, calcula.

Celso aproveitou o talento dos ‘seus’ e voltou a filmar, desta vez, o “Garimpeiro da Ilusão, rodado no ano de 2007 já em Mato Grosso do Sul, Campo Grande. O protagonista, sempre interpretado por Marques, é um homem que depois de viver no garimpo no estado de São Paulo resolveu tentar a sorte em MS, para se tornar rico. “Na verdade, ele garimpava ilusões, como todo ser humano”, analisa o autor, ator e diretor da própria produção.


O curta “A caçada ao gato Billi”, de 2008, produzido na terra natal, Antônio João, é uma sátira da situação política do Brasil, define o cineasta. A idéia era denunciar favorecidos pelo programa “Bolsa Família” que não precisavam da ajuda. O personagem ‘gato’ seria uma ‘figura de linguagem’ que remete à esperteza dos que recebiam benefício criado para os pobres.


“O gato Billi ganhava a ‘bolsa’, como gente... O filme é um grande emaranhado de enrolação, difícil de compreender”, comenta. O ator-diretor conta que precisou de muita ousadia para produzir este curta. “Tudo isto foi possível graças à coragem de poucos e verdadeiros amigos... não tenho como pagar”, pondera mirando o infinito. Certamente deve estar bolando outra peripécia para colocar na tela.

Na sequência das produções, no ano de 2009 Celso Marques roda em Dourados “O enforcamento”, com foco na problemática indígena, as mortes não esclarecidas nas aldeias Jaguapiru e Bororó, que abriga mais de 12 mil indígenas guaranis, caiuás e guaranis em pouco mais de 3,6 mil hectares cortados pela rodovia de acesso para Itaporã. “Eu culpo a política que não vigia a questão das igrejas que tentam mudar em 30 dias uma cultura de gerações”, comenta.

Recebeu elogios e muitas promessas. “Cai no golpe, exibi o filme em universidades, mas depois não conseguir tocar o projeto prá frente. No fundo, tô pouco me lixando para a sociedade. Isso não é desilusão, é realidade, mesmo. Dizem que política e sociedade têm que cuidar da cultura. Quero que eles.... Não vou me humilhar mais. Jamais vou sair de minha casa, pedir favor...”, desabafa com um rubor no rosto.

Ainda em Dourados, em 2010, ele produziu o documentário “A Guardiã” que apresenta a trajetória da escritora Heleninha Izidoro, “a poetisa das ilusões”, que assina obras como “A Usina Velha”.



Marques afirma que não põe roteiro no papel. “Está tudo aqui”, diz apontando para a cabeça. Ele adianta que vem mais por ai. “Tem outro filme, a história de um bêbado que caiu dentro de um poço. Ele vai ficar se lembrando das coisas. Vai ver a vida dele passando por ali”, adianta.
Mas, nem só de ficção vive o cinema de Marques. Ele já denunciou o que denomina “Os corruptos de Dourados” entre outros esquemas denunciados pela Justiça, “que cobriram de vergonha a cidade”, lamenta.

A cada manifesto, de professores, bancários, produtores ou indígenas, lá vai Celso Marques empunhando suas ‘lentes’, flagrando rostos alterados, punhos ao ar, bandeirolas e faixas tremulando ao vento. Se é protesto, é com ele mesmo! Ele registra a história. É a voz do povo.

CAMINHOS DA LETRAS

O universo criativo de Celso Marques vai além do ‘telão’. Apesar do pouco estudo (foi até o quarto ano primário), talento não falta a este douradense por opção que teve a coragem de colocar tudo no papel. Bem ou mal, ele fez.
“A grande verdade é que antes tinha comprado uma máquina de escrever, queria aprender a bater... Eu escrevia, mas não conseguia viabilizar nada concreto, ninguém deu conta”, diz com o rosto iluminado, sob o olhar grave da esposa, Roseli da Silva, que atuou no curta “O Regenerado” e outros.




Escreveu vários livros, nem todos foram publicados, só cinco. Os demais, rasgou, queimou. Não gostou! Escreveu para registrar denúncia, indignação, sofrimento, amor, fé e esperança. Serviu para ele mesmo, uma espécie de catarse.

Entre os títulos, “A vida de ventania” fala do dia que o personagem descobriu que sofria de distúrbio bipolar.
Para o homem que diz não acreditar em sonhos, ele se superou com trabalhos como “A vida num Paraíso”, que esgotou na banca da Rodoviária de Dourados, e “O outro caminho de um sonho”, ambos romances.

O primeiro é uma história de época e outro um texto mais popular. Tem, ainda, “O alertar dos sonhos” e “Os caminhos de uma vida” – uma busca espiritual.

Todos com a griffe da Produtora e Editora Marques, que funciona em poucos metros quadrados, num pequeno quarto assombradado, feito de madeira, modesto mas aconchegante, anexo à casa que a sogra empresta para família morar.

No ‘quartel general’ há um bom computador, com tela de LCD e tudo o que tem direito, uma impressora a laser, estante cheia de documentos, capas de filmes, de livros e de CDs, além da filmadora.

A ilha de edição cercada por árvores, como uma grande goiabeira, compõe o cenário telúrico que inspira o dono da editora que recentemente lançou “Versos e Versículos”, da escritora douradense Ruth Hellman, e outro título assinado por um amigo dele, Ananias Marques, autor de “Um sonho à beira do mar”.

Celso, que também se orgulha da incursão na Literatura, conta que conheceu o professor e membro fundador da Academia Douradense de Letras, José Pereira Lins, pouco antes de seu passamento, em maio de 2011. “Ele queria que eu prefaciasse um livro dele, não deu tempo”, lamenta.

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