Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Sistema ONU no Brasil promoveu uma conversa online com o psiquiatra Joel Rennó, especializado em saúde mental da mulher.
O evento foi destinado a colaboradores das agências, fundos e programas das Nações Unidas no Brasil.
O diretor do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com mais de 25 anos de experiência na área, respondeu a perguntas sobre gravidez, menopausa, tratamentos hormonais, transtornos de ansiedade e transtornos de humor, que incluem, dentre outros, a depressão.
O bate-papo foi mediado por Alessandra Faustino, conselheira para temas de stress na ONU Brasil.
Confira, a seguir, alguns dos temas abordados no evento, que reuniu cerca de 50 pessoas.
Transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) – Estima-se que entre 3 e 9% das mulheres que sofrem de Transtorno Pré-Menstrual (TPM) têm sintomas mais exacerbados, principalmente na esfera psíquica.
Isto é conhecido como Transtorno Disfórico Pré-menstrual. Joel Rennó explicou que existem mais de 130 sintomas de TPM - desde sintomas físicos (inchaço, dor nas mamas, dor de cabeça), que normalmente acontecem entre 3 e 10 dias antes da menstruação, até emocionais, como irritabilidade, ansiedade e sintomas depressivos.
Na forma mais severa, a TDPM, as mulheres relatam sintomas mentais mais acentuados, podendo ficar mais impulsivas e/ou compulsivas.
"Isto não é chilique: há base científica e a mulher sofre com isto", explicou o médico.
Joel Rennó disse que existem várias alternativas de tratamento, dependendo de cada caso, que podem incluir contraceptivos de micro dosagem e reguladores de serotonina, que precisam ser prescritos com orientação de ginecologista e psiquiatra, além de suporte psicológico.
Rotinas saudáveis, como atividade física, alimentação rica em frutas e vegetais, diminuição de consumo de cafeína e açúcar refinado também ajudam a aliviar os sintomas, além de técnicas de meditação e acupuntura.
"O início deste Transtorno pode ocorrer desde os primeiros anos depois da primeira menstruação até o período da perimenopausa (fase que marca o fim da vida reprodutiva da mulher e antecede a menopausa). Há uma piora dos sintomas dos 35 aos 45 anos.
Mulheres que têm este Transtorno têm um risco maior de ter um quadro de depressão pós-parto e na perimenopausa", informou o médico.
Joel Rennó aproveitou para explicar que a menopausa é o período de 12 meses sem menstruação, que não seja provocada por um outro problema de saúde. No Brasil, ocorre em média por volta dos 51 anos de idade, mas ela pode ser precoce (45 anos ou menos) ou tardia (depois dos 55).
Gravidez e depressão – Cerca de 15% das mulheres têm quadros de depressão ou ansiedade na gravidez. "Até pouco tempo atrás, achava-se que as mulheres não tinham problemas mentais na gravidez, mas isto é um mito. Isto porque se associa a gravidez a uma situação de felicidade obrigatória", explicou o médico.
Ele informou que é preciso avaliar o contexto da gravidez – se ela é desejada, se houve algum tipo de violência, se a opinião da mulher foi respeitada, questões relacionadas a "revivências" de maternidade (outros papéis revividos, se há conflito com a mãe, por exemplo). Além disso, muitas mulheres que se tratam para depressão acabam deixando a medicação de lado quando engravidam, sem consultar o médico.
A depressão não tratada na gravidez pode afetar o desenvolvimento fetal, podendo provocar problemas de saúde mental nos futuros bebês.
Segundo o psiquiatra, uma mulher deprimida tem risco maior de tabagismo, etilismo, problemas nutricionais, entre outros – independente de nível de sócioeconômico ou educacional.
No período do pós parto este quadro pode ser piorado porque nem sempre é criado um vínculo entre mãe e filho.
"As pessoas têm tempos e dinâmicas diferentes, não é certo ou errado", disse o médico. Joel Rennó contou que na pandemia muitas grávidas ficam com medo extremo do parto, inclusive com receio de buscar atendimento médico adequado, contribuindo para um pré-natal mal realizado ou quadros de depressão pós-parto.
Quando estas mulheres são acompanhadas, até mesmo por telefone, elas obtêm mais apoio e solidariedade, conseguindo expor o que estão sentindo mais precocemente. Quanto mais cedo estes quadros são tratados, há menor risco para a mulher.
O psiquiatra informou ainda que 10% dos homens também ficam com depressão pós parto e o motivo é emocional: medo em relação ao futuro, perda de espaço na relação com a mulher etc.
Medicação psicoativa – Joel Rennó explicou que há muito preconceito com relação aos medicamentos psicotrópicos, inclusive entre os médicos. Um trabalho da Universidade Federal de Pernambuco mostrou que, entre os médicos, a percepção negativa aos chamados psicotrópicos era muito maior do que para drogas quimioterápicas.
"Todas as drogas precisam ser muito bem pesquisadas e avaliadas, tanto os riscos quanto os benefícios", lembrou o psiquiatra.
"Nos quadros leves, a primeira linha de tratamento para depressão pós-parto ou na gravidez é com psicoterapia, não com medicação.
Em quadros moderados e graves é preciso associar a medicação e existem medicamentos que podem ser prescritos com segurança", informou.
O médico lembrou que na população em geral, entre 3 e 4% das mulheres que não tomam nenhum tipo de medicamento têm risco de ter um bebê com algum tipo de má-formação, enquanto a medicação psicoativa apresenta um risco menor, de 2%.
De acordo com Rennó, transtornos mentais não tratados provocam mais riscos do que o tratamento da doença mental em si, seja para a saúde da mãe ou do bebê.
Tratamentos hormonais para população trans – O psiquiatra afirmou que há uma escassez na literatura médica para tratamentos hormonais na população trans e alertou para a necessidade de acompanhamento com profissional da área de endocrinologia.
Isto porque reposições com testosterona e estrogênio, por exemplo, precisam de controle da dosagem para não provocar sérios danos de saúde.
Ansiedade – A ansiedade atinge uma em cada cinco pessoas de forma mais intensa e raramente tem diagnóstico precoce porque é confundida com estresse do dia-a-dia.
De acordo com o psiquiatra, o Brasil é o campeão mundial em número de casos de pessoas com ansiedade e as mulheres foram severamente afetadas pelo mal na pandemia. Pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP aponta que
35% das mulheres avaliadas sofriam de ansiedade e as justificativas, em parte, referem-se ao cumprimento de dupla jornada, ao acompanhamento escolar dos filhos, à violência doméstica aumentada, além de questões econômicas, preocupações com o coronavírus e familiares doentes.
Joel Rennó explicou que muitos transtornos de ansiedade aparecem no início da infância ou na adolescência.
"Adolescentes ansiosos costumam ter rendimento escolar menor e serem mais suscetíveis ao uso abusivo de álcool e drogas para efeito "anestésico" da dor da alma ou controle da agitação e medo.
Na atual pandemia, com o aumento dos quadros de ansiedade e depressão tem havido crescimento do consumo de álcool, cigarro e "calmantes", tanto em homens quanto em mulheres", relatou.
O psiquiatra informou que quadros leves podem ser tratados com técnicas de relaxamento ou meditação, psicoterapia e atividades esportivas, que podem ajudar a evitar a evolução da ansiedade para quadros mais graves no futuro.
"Precisamos desmistificar o conceito errôneo de que os transtornos mentais só atingem os "fracos". Enfrentar a doença mental é uma prova de força", concluiu.