De país livre de sarampo a palco de novos surtos da doença: esse cenário se repete ano a ano desde 2018, quando o vírus se reintroduziu no Brasil. Quatro anos depois, o risco permanece. Dados do Ministério da Saúde mostram que houve 14 infectados no primeiro trimestre de 2022 — sendo 12 no Amapá e dois em São Paulo —, sem mortes. O número, porém, pode chegar a ser oito vezes maior, já queforam outros 98 casos suspeitos no período.
Do montante ainda em investigação, quase metade (48) se encontra no estado de São Paulo. Outros 13 estão no Pará e oito, na Bahia. Entre os 668 casos registrados em 2021, o Amapá concentrou 527, o que representa 78,8%. O Pará, por sua vez, notificou 115 (17,2%). No acumulado de 2018 a 2022, o Brasil notificou 39.356 diagnósticos e 40 óbitos. Mais da metade se concentrou em 2019, considerado o pico, com 20.901 registros e 16 mortes.
Enquanto os casos voltam a assustar o país, caem as taxas de vacinação. Especialistas apontam causas diversas para esse movimento, que variam de acordo com a localidade. Entre elas, estão a eventual falta de imunizantes, desinformação, horários de funcionamento de postos de saúde incompatíveis com a rotina de trabalho dos pais e até mesmo o movimento antivacina, entre outros. A principal avaliação, porém, é de que o Brasil se tornou vítima do próprio sucesso da vacinação:
— Hoje, o próprio sucesso das vacinas inibe, paradoxalmente, as pessoas a se vacinarem. Jovens pais não ouviram falar, não convivem com a doença. A percepção do risco diminui e essa urgência em vacinar vai caindo — analisa o presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
Transmissibilidade
O vírus causador do sarampo é o mais transmissível entre os agentes infecciosos conhecidos, superando até a variante Ômicron do coronavírus. Nesse sentido, um paciente pode contaminar de 15 a 18 pessoas, o que eleva o risco diante da baixa adesão vacinal. Dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), do Ministério da Saúde, mostram que a cobertura da vacina tríplice viral — contra sarampo, caxumba e rubéola — tem diminuído desde 2019, última vez em que ultrapassou a faixa dos 90%.
O índice considerado ideal pela pasta, contudo, é de 95% — alcançado até 2016. Números do ano passado, em consolidação, indicam cobertura de 71,63%, a segunda menor desde o início da série histórica, em 1994. As parciais de 2022 ainda não foram divulgadas e estão sob análise da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) da pasta.
— A gente vem colecionando aí uma cobertura vacinal baixa nos últimos anos. Com a pandemia, isso se agravou mais ainda. É um risco muito grande (de novo surto). Um aspecto crucial da cobertura é a homogeneidade: há municípios com 66% (da população) com duas doses e 80% com uma, mas outros têm menos de 40%, 50% de taxa de vacinação. Tem bolsões de baixas coberturas onde o risco de disseminação da doença é muito grande — continua o pediatra infectologista.
O Brasil perdeu o certificado de país livre de sarampo em 2019, três anos após recebê-lo da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). A reintrodução da doença em 2018, com a entrada de imigrantes da Venezuela no Norte do país, levou à transmissão sustentada — quando o vírus circula e contamina livremente — no ano seguinte.
Com isso, a conquista, que veio 14 anos depois da implantação do Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, em 1992, se desfez. Para obter o certificado novamente, a aposta é investir e avançar na vacinação.
— É um certificado de que o país não tem mais vírus circulante. Agora, para erradicar, precisa ter uma abrangência maior — explica a professora de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB) Anamélia Bocca. — Em 2018, a gente teve movimento mundial de retorno do sarampo. Não foi só no Brasil. Teve aumento na África, nos Estados Unidos... O que a gente precisa são campanhas de vacinação com propaganda adequada para que as crianças possam se vacinar. Nos últimos três anos, quase não ouvimos falar sobre elas.
Campanha de vacinação
Entre médicos e cientistas, há o consenso de que a principal forma de prevenir a doença é tomar duas doses da vacina, disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). O ministério lançou, no início do mês, uma campanha de imunização que contempla bebês de seis meses a crianças de até 5 anos. Além disso, profissionais de saúde também podem atualizar a caderneta de vacinação. Segundo a pasta, há 22 milhões de doses disponíveis para a inciativa.
Crianças merecem maior atenção no combate à doença. Foram oito casos entre bebês de até 1 ano em 2022. Já entre 1 e 4 anos, foram quatro registros. Os outros dois infectados tinham de 20 a 29 anos. A situação se repete em relação ao ano anterior, no qual houve 255 diagnósticos até 1 ano e 186 entre 1 e 4 anos. Houve duas mortes em 2021 entre bebês de até 1 ano.