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Indígenas criam livro didático em tupi-guarani para alfabetizar crianças no litoral de SP

Material foi produzido por professoras indígenas da aldeia Tapirema, em Peruíbe. Livro ainda não foi publicado por falta de recursos

17 Nov 2021 - 13h30Por G1
Guaciane é liderança na aldeia Tapirema e professora há nove anos - Crédito: Arquivo Pessoal/Guaciane GomesGuaciane é liderança na aldeia Tapirema e professora há nove anos - Crédito: Arquivo Pessoal/Guaciane Gomes

Preocupadas com a alfabetização de crianças indígenas, quatro professoras se uniram para criar um livro didático em tupi-guarani na aldeia Tapirema, em Peruíbe, no litoral paulista. Segundo Guaciane Gomes, que é liderança na comunidade e há nove anos dá aula para indígenas, a falta de materiais para ensinar os mais novos dificulta não só o aprendizado, mas também a aproximação com a cultura. Um dos receios de Guaciane é que a língua se perca pela falta de suporte e incentivo.

Em entrevista ao g1, Guaciane contou que o livro foi produzido por três professoras indígenas e uma não indígena. A ideia foi sugerida pela professora Karen Villanova, que conheceu a aldeia Tapirema durante a produção de um documentário. Durante a gravação do filme, ela ouviu uma das educadoras se queixarem sobre a falta de material didático em tupi-guarani em escolas indígenas.

“Eu estava fazendo mestrado em educação, estudando questões intergeracionais, sobre a troca de conhecimento entre pessoas mais jovens e mais velhas. Foi a minha primeira experiência com um coletivo indígena, sempre digo para eles que eles mudaram a minha vida”, orgulha-se Karen.

Conforme explica Guaciane, a construção do material teve início no fim de 2019. Na produção, cada detalhe foi pensado e realizado pelas mãos de integrantes da comunidade. “Nós ficamos uma semana produzindo o livro. A Catarina, que é professora e anciã da aldeia, ajudou bastante na tradução. A Fabíola [educadora indígena] e o Mimby, que fez o grafismo, também ajudaram na construção desse material”, diz.

De acordo com a liderança da aldeia, dar aula em comunidades indígenas não é uma atividade fácil, porque a falta de materiais influencia no contato dos alunos com a língua. “A gente que tem que produzir os nossos conteúdos. Eu planejo minha aula e faço as atividades relativas à língua materna, então, esse livro surgiu não só para ajudar a minha sala de aula, mas todos os alunos da rede que aprendem tupi-guarani", salienta Guaciane.

Guaciane relata que, há quatro anos, foi elaborado um livro de gramática na aldeia Piaçaguera, que também fica em Peruíbe. Embora o conteúdo tenha ajudado os profissionais, foi necessário criar um material direcionado à alfabetização das crianças. “Para nós, foi um ponto positivo, porque, até então, a gente escrevia como achávamos que era, e o livro ajudou as crianças a entenderem melhor as nossas palavras”, comenta.

O material didático é voltado a crianças em estágio de alfabetização, e conta com conteúdo baseado na cultura indígena. “O livro foi baseado em alguns elementos que a gente usa muito, como o cachimbo. Ele conta com pequenas histórias sobre comida, animais, e tem uma sequência de ordem alfabética. É um livro para ensinar a língua e estimular a criança a buscar traduzir as palavras que ela não conhece e pesquisar com uma pessoa mais velha”, detalha Guaciane.

Apesar de pronto, o livro ainda não foi publicado, por falta de recursos. “Nós enviamos para a Fundação Nacional do Índio [Funai], mas por enquanto ainda não tivemos uma resposta. Estamos esperando para ver se sai alguma coisa, e caso não saia, vamos ter que ver outras formas para ser publicado”, relata a liderança. Contudo, Guaciane reitera que todo o projeto é uma grande vitória.

“É muito gratificante, para nós, é uma vitória muito grande. Não só para nós, mas esse livro vai servir para vários indígenas. A gente fica muito preocupado em perder a língua tupi-guarani, porque a tecnologia afeta muito os jovens, e às vezes acaba até prejudicando. Eles não querem saber de estudar, da cultura, e isso é uma realidade das comunidades”, conclui.

Colaboração

Karen Villanova, que mora em Porto Alegre (RS), é a professora não indígena que deu a ideia para as professoras da aldeia e foi acolhida pela comunidade. Há 19 anos atuando na área, ela estava fazendo mestrado em educação no período em que conheceu os indígenas. Após sugerir a criação do livro, Karen decidiu mudar a proposta de sua pesquisa.

“Levei a proposta de mudar o direcionamento do mestrado, que era sobre trocas intergeracionais no contexto da língua inglesa, para essa observação das trocas entre os mais jovens e mais velhos indígenas, ao passo que se fazia um livro didático para ser utilizado na educação indígena, e o meu orientador topou”, conta Karen.

De acordo com a professora, ela se preocupou em deixar que todo o material fosse produzido em tupi-guarani e pelos indígenas. “Eu tinha a preocupação de que tudo fosse feito em tupi-guarani, e que fosse feito pelas pessoas da comunidade. Os textos foram feitos por elas [as professoras], a revisão e as ilustrações também”, relata.

Com relação à experiência, Karen diz que foi um período de grandes aprendizados. “Foi uma experiência muito enriquecedora como profissional, mas, principalmente, como pessoa. Aprender e vivenciar a rotina na aldeia, com as pessoas da aldeia, me trouxe muitas reflexões. Eu mudei bastante como profissional depois disso, para continuar trabalhando com coletivos indígenas. Ver a forma como as coisas são organizadas, como são feitas as reuniões, e como a vida pulsa de uma forma mais natural, mais humana dentro da aldeia, foi bem importante, bem emocionante”, finaliza.
O g1 entrou em contato com a Funai, para saber sobre a possibilidade de publicação do livro, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

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