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Opinião

Reforma da previdência: questão de ponto de vista

22 Jan 2016 - 11h25
Reforma da previdência: questão de ponto de vista  -
Paulo Nolasco dos santos

É mais uma dentre as reformas que visam a transferir ao contribuinte o ônus do ressentimento que brota tanto da atitude dos que não estavam ali trabalhando e contribuindo (fazendo sabe-se lá o que), como da questionável vontade de mostrar ao povo que “aposentadoria não é um prêmio”, mas um soldo, tipo pé na cova, para aqueles que, durante esta malfadada labuta, chegarem perto do 100 anos de idade.


Assim, é de fazer rir: tudo parece vir como um “parti pris” – ideia preconcebida, sem discussão, ressumada a ressentimentos em relação àqueles que começaram a trabalhar bem mais cedo, frequentemente já nos longos anos de escolaridade, pagando e descontando a contribuição retirada de salário mínimo e de bolsas de estudante.


A muitos desses cidadãos, a aposentadoria, se não é um prêmio, é retribuição por anos de trabalho rotineiro, especializado, com livro e cartão de pontos (que agora também incluiu todos os empregados domésticos), e períodos de férias subjugados ao interesse “unilateral” de Instituições e do serviço público brasileiro, este poderoso motriz da Nação e de nossa obediência civil. É público, através de matérias e de debates de especialistas no assunto, que, a má gestão e ausência de contrapartida do Governo na administração dos fundos previdenciários gerariam a propalada instabilidade financeira.


O trabalhador, que bem cedo assumiu o compromisso civil de contribuir gerenciando a vida previdenciária, desse modo obedecendo às normas do emprego, do trabalho formal, em seguimento às carreiras do serviço público brasileiro, não pode ser visto sem suas especificidades e diferenças em relação aos distinguidos produtores de riqueza e/ou portadores de carreiras em velocidades meteóricas e milionárias, os quais se dão ao direito de parar quando quiserem, de viverem e terem contas no exterior, além de avantajados períodos de férias.


Há inúmeras variantes a considerar: uma delas, p. ex., refere-se à profissão de professor, em todos os níveis (dentre outras, claro), que caberia a pergunta: “quem quer ser professor?” – antes uma profissão considerada ao menos como de relativo risco, hoje exposta à vala comum: profissão das tendinites e estresses, que malfadados planos de saúde não querem tratar e nossos salários não suportam tratamentos particulares.
Não é razoável culpar os baixos salários de profissionais mal remunerados, dentro de um contingente onde pouquíssimos têm escolaridade de segundo grau, advindo ainda mais a relevância de profissionais preparados, especializados nas diversas funções de todas as áreas de trabalho. Brota um contrassenso absurdo no investimento que se quer mostrar na criação de Cursos profissionalizantes, Cidades Universitárias; que o digam os universitários, que depois do diploma frequentemente se tornam desapontados, e olhando para trás, acabam “reconhecendo que a culpa é do sistema”.


Há necessidade de um sistema operante, que decerto cabe aos políticos e governos tratarem com sensibilidade, uma vez que os trabalhadores não provêem sua família com recursos de oportunismos político-partidários ou outra forma de sobrevivência na contravenção, portanto, ilícita. Motivos que levam ao encontro dos aplausos ao Poder Judiciário, frequentemente respondendo com percuciência e lucidez, manifestando sim ou não ao “parvenu” ignorante do funcionamento de um estado democrático de direito.


O Iluminismo acreditava que a natureza humana caminhava para uma perfectibilidade progressiva do espírito humano. Malgrado às malversadas luzes do relativismo ético, o povo, a nação, ainda pensa e crê em certos ideais e certas cláusulas: isto, de direitos e de aposentadoria, não poderia ser uma cláusula pétrea? Que conversem os representantes, sindicalistas, cidadãos, através das tribunas livres da imprensa. Em contrapartida à propalada longevidade da população, é de se notar que todas as profissões hoje cicatrizam penosas doenças do trabalho, seja nas tarefas braçais e do trabalhador do campo, seja nas das tecnologias.
Talvez seja devido às iniciativas alheias à representação dos trabalhadores, em franca desregulamentação das profissões, das carreiras públicas, em flagrante rompimento com o acordo tácito da carreira e vida burocrática, necessárias para um sério atendimento no serviço público, que estamos a assistir à sua resultante no “desmonte” dos serviços da saúde e da educação. É preciso dizer não a vontade de impor uma “uberização” do mundo, como assim se intitula recente matéria em Le Monde Diplomatique.


Doutor; professor titular de Literatura e crítica e cultural

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