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Wilson Valentim Biasotto

O impacto do câncer: compartilhando experiências

25 Jun 2016 - 06h00
O impacto do câncer: compartilhando experiências -
Sábado passado escrevi que já não se usam metáforas para as doenças e prometi voltar ao assunto. Tempos atrás, a palavra câncer era impronunciável, o portador ignorava o que tinha e os parentes e amigos referiam-se à moléstia como "doença ruim", "ferida brava", e por aí. Experiências de vida devem ser compartilhadas, mesmo as ruins, não para expormos nossas chagas clamando piedade, mas como auxiliares no comportamento de outras pessoas, quando passam por problemas idênticos.


Tinha que fazer um exame na uretra e esse procedimento, por requerer anestesia, precisava de uma série de exames. O último deveria ser uma radiografia do tórax. Pedi para o médico dispensar esse procedimento, o que, felizmente, me foi negado, pois na radiografia, apareceu uma mancha que precisava ser melhor averiguada. Foi um achado importante, e lá vou eu para a tomografia. Era um câncer no pulmão, mas poderia ser outra coisa, até mesmo uma tuberculose.


Essas "dúvidas" dos médicos parecem-me ser estratégias, uma espécie de preparação do paciente, como quem diz: o gato subiu no telhado. De qualquer forma, lá vou eu para outro exame, o PET-CET (Tomografia por Emissão de Pósitron), que indica se há outros tumores no corpo, um tumor primário que teria causado uma metástase, ou se somente o pulmão estaria afetado. Constatada a incidência do câncer apenas no pulmão, lá vou eu para uma biópsia, felizmente realizada por laparoscopia, ao invés de uma cirurgia aberta. É câncer, mas a biopsia precisa ser feita em laboratório para que saibamos o tipo, sua origem e sua agressividade. Aguardemos, portanto, o resultado, para iniciarmos o tratamento. Será curado? Ou é do tipo que nos dá seis meses ou seis anos de sobrevida?


Primeira lição, as pessoas idosas devem submeter-se a exames periódicos, não se esquecendo de uma radiografia torácica ao menos uma vez por ano.


Embora saibamos que a morte é certa, cumpre-nos adiá-la ao máximo, pois sempre resta algo a ser feito, por isso, não devemos nos entregar. Temos que ser fortes, pois isso ajuda nossa família e amigos a o serem também. Dá mesma forma, a família pode até mesmo estar sofrendo tanto quanto o paciente, mas não deve demonstrar fraqueza, ao contrário, deve encarar a realidade com esperança, mas também com resignação, pois que, o estágio atual da medicina pode nos informar, com elevado grau de certeza, o que o paciente passará ao longo do tratamento. Não seria de bom tom enganar o paciente, principalmente nessa Era em que os conhecimentos, mesmo que simplificados, podem ser buscados via Internet.


Bom, já sabemos que portamos um câncer em nosso pulmão, os parentes também sabem, mas os amigos? Os outros? Quando a auxiliar de enfermagem me levava em cadeira de rodas para outra radiografia, perguntou à enfermeira chefe do que se tratava e ela respondeu baixinho: CA pulmão. Fiquei chocado. O câncer era meu, porque os outros deveriam saber? Será vergonhoso ter um câncer? Faz bem escondê-lo? Nosso sofrimento será menor se ninguém souber, se os amigos forem surpreendidos apenas quando já estivermos encaixotados?


Pensei muito. A doença pode nos levar à morte, mas pode também ser purificadora, tornar-nos mais humildes, mais compreensivos, mais fraternos, mais preocupados com os males alheios. Pode levar-nos a refletir sobre os despossuídos, sobre os que não tem acesso à saúde, à terra, à comida.


Por essas razões, mas também porque é inevitável que os conhecidos venham a saber por outras fontes, resolvi compartilhar esse meu caso. Assim, os amigos, ao invés de me olharem compadecidos haverão de dizer: "força, meu caro, você já venceu muitas batalhas" e os inimigos, se é que os tenho, haverão de procurar algo de bom em minha conduta e perdoar os meus erros.


Foi importante comprovar que Dourados é um centro médico hospitalar de excelência. Gratificante o apoio da família, o acolhimento pelos trabalhadores da saúde, a ausência de dor e, também, ser tratado por professores e por médicos formados na UFGD, instituição que ajudei a criar.


Ficarei feliz se continuar escrevendo por mais alguns anos, convivendo com amigos e familiares, mas se virem o meu caixão passando, repito com Mário Lago, podem estar certos de que lá vai um sujeito contrariado.

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