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Eduardo Marcondes

O estupro na infância e a pediatria

12 Ago 2016 - 09h40
O estupro na infância e a pediatria -
O tema desta minha colaboração neste espaço no O PROGRESSO é indigesto. É bárbaro. Os números de violência sexual contra crianças apurados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e divulgados recentemente são aterradores. Entre 2011, quando as notificações passaram a ser obrigatórias, e 2015, foram estupradas no país 16.643 crianças menores de nove anos. Isto nos dá uma média de 9 crianças estupradas por dia no país. Se ampliamos a faixa etária até os 12 anos, o número cresce para 28.661 casos de violação. Ou, em média, quase 16 por dia. A tragédia fica ainda maior quando se sabe que várias meninas engravidaram. Entre 2011 e 2014, nasceram 4.021 bebês filhos de mães que foram violentadas antes dos 12 anos.


Os números a que me refiro são parte de um relatório feito pelo Ministério da Saúde através Sistema Nacional de Violências (SINAN), que notifica todos os casos de violências interpessoais e autoprovocadas atendidas dentro do SUS. O SINAN foi criado em 2006, mas passou a ser obrigatório em 2011. Desde então os números de violências notificados aumentam a cada ano, passando de pouco mais de 107 mil casos em 2011 a quase 250 mil notificações em 2015. Eles incluem casos de violência física, psicológica, negligência e violência sexual, que correspondem a 11% do total. As vítimas são mulheres em sua maioria, 67% dos casos. Com relação exclusivamente aos casos de estupro, apenas no ano de 2015, 17.871 mulheres foram atendidas pelo SUS, vítimas deste tipo de crime. Destas, 193 morreram em 2015, sendo que 68 morreram por causas de morte associadas a este crime. Estupro é o fator de risco mais letal que existe, representando 35% do total. Nenhuma doença tem uma taxa de letalidade tão elevada, isto considerando que os dados estão subestimados.


Mesmo altos, os números com que o SUS trabalha são menores do que os fornecidos pelo SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), que notifica mais de 40 mil casos de estupros por ano no país. A disparidade se dá porque o sistema de notificação de violência só está implantado em 60% dos municípios. Os números do SUS vêm dos hospitais, clínicas etc. Além disso, muitos estupros vão direto para o setor de Medicina Legal, que é uma área da segurança pública. A diferença é que os dados têm detalhes que permitem rastrear alguns casos através de desfechos como gravidez e morte. Além de detectar o índice de gravidez em crianças, o alto número de mortes nos dias ou meses posteriores a um crime sexual é um dos dados mais importantes que se pode extrair usando o SINAN/Violência e o Sistema de Mortalidade do Ministério da Saúde. As causas de óbito são diversas: morte materna, infecção generalizada, AIDS, entre outras. O mais dramático é que algumas causas nunca serão esclarecidas. Não se sabe se foi suicídio ou feminicídio.


Se para um adulto a violência sexual é traumática, em uma criança é devastadora e leva muitas vezes ao suicídio na adolescência ou mesmo ao homicídio. Nem sempre o sofrimento da criança, do adolescente ou da família se encerra com a denúncia e com a interrupção da violência. Por se envolver frequentemente com a criança em situação de violência, é missão do pediatra ações de identificação, enfrentamento e prevenção desse problema, demandando uma mudança de olhar das questões meramente clínicas para as sociais.


É importante, nesse processo, questionar ativamente a criança e os responsáveis a respeito de novos episódios de violência; realizar sempre exame minucioso em busca de evidências físicas e estar atento para alterações comportamentais e emocionais compatíveis com abuso. Aliado ao nosso trabalho, é fundamental o papel da família como co-atores nesse processo de detecção e cura da criança violentada. É importante que o pediatra conheça a legislação, os diversos órgãos existentes e as funções de cada um, suas possibilidades e dificuldades de atuação. Finalizo reafirmando o que disse no início deste artigo: o estupro é uma barbárie e deve ser combatido e punido, independente da faixa etária de quem é vítima.É a desumanização do ser humano.


Médico pediatra

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