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Sem teste, surto de tuberculose ameaça aldeias de Dourados

07 Dez 2015 - 09h54
Médicos Júlio Croda e Zelik Trajber  estão preocupados com a falta do exame PPD. - Crédito: Foto: Hedio FazanMédicos Júlio Croda e Zelik Trajber estão preocupados com a falta do exame PPD. - Crédito: Foto: Hedio Fazan
A falta de teste para o diagnóstico de tuberculose latente, que é aquela em estágio inicial, em que o paciente ainda não tem sintomas, é motivo de preocupação na mais populosa Reserva Indígena do país: a de Dourados. Há mais de um ano e meio sem receber o exame pelo Sistema Único de Saúde, as comunidades indígenas correm o risco de que ocorram o descontrole da doença, que pode até mesmo se tornar um surto na Reserva.


O desabastecimento nos postos de Saúde acontece em todo o País porque o laboratório da Dinamarca, que fornecia o insumo ao Brasil , deixou de fabricar o produto e quer vender uma outra tecnologia muito mais cara. Com isso, a doença, que foi praga do século XIX, volta a ser motivo de alerta para especialistas. Ainda mais quando ela se torna uma das que mais mata em todo o mundo. Para se ter ideia, enquanto a tuberculose faz 1,5 milhão de vítimas por ano, a Aids, totaliza 1,2 milhão, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. No ano passado, a tuberculose matou 890 mil homens, 480 mil mulheres e 140 mil crianças.


Em Dourados o médico pediatra Zelik Trajber disse que sem este exame, há um risco iminente do total descontrole da tuberculose na Reserva Indígena. Isto porque, segundo ele, que atua há 15 anos na estratégia de saúde da família, todo o trabalho de monitoramento feito entre 2001 e 2014 deixou de ser feito nas pessoas que tiveram contato com pacientes com a doença ativa e, por isso, correm um risco maior de desenvolver a tuberculose. Com a falta do teste, também conhecido como PPD (derivado de proteína purificada, na sigla em inglês), o diagnóstico da doença em sua forma latente (quando o causador permanece inativo durante algum tempo) está interrompido e a prevenção deixa de ser feita. De acordo com Zelik, no ano de 2001 quando iniciou o programa de controle da doença nas aldeias de Dourados, haviam mais de 80 casos diagnosticados com a tuberculose e uma centena de pessoas que tiveram contato com estes pacientes doentes. “De lá para cá fizemos um amplo trabalho na reserva, diagnosticando, e tratando os doentes e as pessoas infectadas com a forma latente. Hoje, os casos são raros. A Reserva apresenta em média 14 casos por ano. O problema é que sem o exame não teremos como diagnosticar de forma precoce a a infecção entre os contatos, o que pode causar um descontrole geral da doença na reserva”, lamenta.


Zelik explica que sem o exame, a alternativa vem sendo utilizar a radiografia. “O grande problema é expor os contatos a radiação, muitas vezes, de forma desnecessária. Outro problema é que este método só detecta a tuberculose quando ela já apresenta sintomas. Imagina eu ter que pedir radiografia para todas as pessoas da família de cada paciente? Seriam 15 pessoas passando por radiação para cada paciente diagnosticado com a doença. Isso iria sobrecarregar os hospitais sem necessidade e não haveria vaga para todo mundo. Por isso, o descontrole da doença pode ocorrer a qualquer momento”, explica.


O médico infectologista da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Fundação Oswaldo Cruz, Júlio Croda, explica que o PPD é um exame realizado através da pele em que uma proteína da bactéria causadora da tuberculose é injetada no braço. Se houver reação, segundo ele, indica que o paciente foi infectado e apresenta a forma latente da doença. Os pacientes com essa forma não apresentam os sintomas e não não transmitem a doença. Nesse caso, inicia-se o tratamento preventivo da tuberculose, com apenas um medicamento - a tuberculose ativa é tratada com um coquetel de 4 medicamentos. Conforme Croda, sem esse teste, o diagnóstico só se dará quando a pessoa estiver com a forma ativa da doença transmitindo-a em média para 10 a 15 pessoas. “Trata-se de uma decisão política do Ministério da Saúde que precisa ser tomada com urgência. Além de tecnologia simples, o custo é baixíssimo. O Brasil, através de entidades como a Fundação Oswaldo Cruz poderia produzir este exame facilmente”, acrescenta.


Para ele, na ocorrência de surtos da doença no Brasil, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) dentro e fora das aldeias não estariam preparadas para controlar a doença. “Atualmente entre 5% e 10% das pessoas infectadas vão desenvolver a doença e 3,5% chegam ao óbito. È uma doença que já matou mais do que a AIDS e é a principal infecção oportunista do HIV”, alerta.


Segundo Júlio Croda, outro fator preocupante é que no diagnóstico da doença ativa nas crianças, é utilizado o PPD associado a um sistema de pontuação. A falta dele prejudica o diagnóstico da doença nessa população. “A criança tem dificuldade no escarro, sendo necessário o PPD, que não está disponível”, disse.

Vulnerabilidade


Membro do Conselho de Saúde Indígena, o guarani Fernando de Souza, diz que são muitos os fatores que contribuem para que a população indígena esteja vulnerável à tuberculose. “A moradia precária e as condições de pobreza, onde as famílias tem muitos integrantes e a resistência natural ao tratamento, levam a uma pré disposição dos indígenas a contraírem a doença. Com o diagnóstico tardio o tratamento é mais difícil e muitos acabam desistindo”, alerta.


Fernando diz que hoje, a população clama pelo exame mas a saúde pública se cala. “Ninguém fala nada sobre esta grave situação. Se continuar assim vamos iniciar atos públicos em nosso Estado para ver se sensibilizamos as autoridades”, disse.

Paciente


O indígena guarani Atelho Machado está tratando há 30 dias da tuberculose. A esposa dele Lucila Garcia, de 42 anos, diz que está desesperada. Isto porque ela, os três filhos e a neta não tiveram a chance de fazer o exame PPD. “Nós não sabemos se estamos infectados ou não com a doença. Estou assustada por causa das crianças. Afinal a gente toma mate na mesma cuia e moramos na mesma casa. Tenho medo de pegar esta doença tão terrível ou que minhas crianças fiquem doentes. Meu marido sofre muito com a doença. Ele nem conseguia dormir. No começo ele ainda trabalhava, mas depois que a doença se agravou ficou de cama. Como ele bebia muito, achei que não teria forças para sobreviver. Graças ao trabalho de agentes de saúde daqui ele começou a ser tratado, mas só depois que a doença se agravou. Se tivéssemos o exame, poderíamos saber se estamos ou não com a doença e evitar que ela tomasse conta de nossa casa”, finaliza.

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