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Editorial

Saúde Pública Ameaçada

02 Jul 2016 - 06h00
Saúde Pública Ameaçada -
A decisão do presidente Michel Temer de sancionar a lei que permite a dispersão por aviões de inseticidas de combate ao mosquito transmissor Aedes aegypti coloca em risco a saúde da população brasileira. Ainda que a proposta tenha nascido por iniciativa da presidente afastada Dilma Rousseff, por meio de Medida Provisória, o atual presidente não foi vigilante ao sancionar a lei, mesmo porque especialistas questionavam não apenas a eficácia da medida, mas, também, os riscos que ela proporcionará à saúde da população. Ao invés de relativizar a saúde pública, o governo federal deveria buscar outras formas de combate ao mosquito transmissor de zika, dengue e febre chikungunya, mesmo porque os aviões que terão a missão de despejar o larvicida sobre as cidades e, consequentemente, sobre a população serão os mesmos que as empresas de aviação agrícola empregam para pulverizar as lavouras com seus pesticidas, herbicidas e agrotóxicos. Que garantia a população terá que o larvicida repassado pelo Ministério da Saúde não será contaminado por resíduos de agrotóxicos nos tanques dos aviões da aviação agrícola?


Ainda que a dispersão por aeronaves utilizaria os mesmos produtos químicos do popular fumacê, carros dos órgãos de saúde que emitem uma espécie de vapor com o inseticida, nunca é demais lembrar que ao jogar esse veneno sobre as residências os órgãos de vigilância sanitária também estarão assumindo o risco de contaminar a população, mesmo porque o Malation, um dos principais produtos utilizados contra o mosquito, já foi classificado como possível cancerígeno pela agência do câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2007 o governo federal havia pensado em utilizar aeronaves para combater o mosquito, mas a iniciativa foi rejeitada pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde e recebeu nova recusa em nota técnica de abril deste ano feita pelo Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador, de forma que nada justifica a presidência da República sancionar uma lei que confronta o próprio Ministério da Saúde. Ademais, pelo simples fato dessa prática oferecer risco de contaminação de pessoas e do meio ambiente pelo uso aéreo de produtos químicos para combater o mosquito já deveria ter sido rejeitada pelo governo federal.


O próprio Conselho Nacional de Saúde, em seu colegiado composto por entidades da sociedade civil e representantes de órgãos do governo, emitiu uma moção de repúdio à nova lei, ao mesmo tempo em que a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que reúne pesquisadores e instituições de ensino, também se manifestou contra a medida levada a efeito pelo governo federal. Os demais órgãos do setor da saúde pública rejeitam a prática por ela oferecer risco de contaminação de pessoas e do meio ambiente pelo uso aéreo de produtos químicos para combater o mosquito, uma vez que a pulverização aérea exigiria uma quantidade maior de produtos químicos, já que há uma maior dispersão até atingir o solo. Em outra frente, o Conselho Nacional de Saúde e o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador alerta que o uso de aviação agrícola para despejar o veneno aumentaria o risco de contaminação de fontes de água usadas no abastecimento ou na agricultura, o risco de doenças na população mais frágil, como idosos e crianças e também poderia resultar na eliminação de outros insetos importantes para o equilíbrio ecológico.


Também causa preocupação a permissão para que o Brasil continue usando glifosato na lavoura, mesmo porque esse agrotóxico está relacionado ao aparecimento de doenças como câncer, depressão, Alzheimer, diabetes, autismo e mal de Parkinson, conforme o parecer técnico produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O princípio ativo é considerado pouco perigoso aos humanos e ao meio ambiente, segundo classificação dos órgãos reguladores nacionais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas o glifosato está proibido na maioria dos países desenvolvidos, enquanto o Brasil lidera o mercado de agrotóxicos do mundo e, em 2012, foi responsável por 19% das vendas mundiais desses produtos. O relatório, atualizado em setembro de 2015, apontou ainda que o glifosato e seus sais lideram o ranking de princípios ativos mais vendidos no país, com 185.956,13 toneladas.

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