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Editorial

Prova viva

04 Fev 2016 - 09h48
Prova viva -
A polêmica que já vem gerando inúmeros debates é sobre aborto de fetos com microcefalia. O assunto diz respeito às sequelas que o bebê irá carregar para o resto da vida. Mas em função destas sequelas ele não merece viver?.


O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão (PSB-RJ) afirma que não. Ele diz que apoiará a ação pelo direito legal ao aborto de fetos com microcefalia, que deve ser levada ao Supremo Tribunal Federal nas próximas semanas.


“Me coloquei à disposição (do grupo que levou a questão ao Judiciário) e vamos continuar em contato”, diz Temporão, ministro entre 2007 e 2011, no segundo governo Lula. “Eu apoio que isso seja levado ao Supremo e que se levante a discussão.”


Nas palavras do médico, atual diretor executivo do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), o projeto “já nasceria derrotado” caso a discussão acontecesse na Câmara dos Deputados. “Jamais passaria. Este é talvez o mais reacionário corpo de deputados e senadores da história republicana”, diz.


Daí vem a escolha pelo poder Judiciário. “O Brasil vive um momento na política em que o cinismo, a mentira e a hipocrisia têm que terminar no contexto do aborto. Temos que enfrentar a realidade e deixar de fingir que não estamos vendo o que acontece. Abortos ilegais são feitos todos os dias nas camadas mais ricas da sociedade.”


O mesmo grupo de advogados, acadêmicos e ativistas que articulou a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos no STF, acatada em 2012, se organiza para levar ação similar à Suprema Corte em meio à epidemia de microcefalia que se espalha pelo país.


Médico mais popular do Brasil, conhecido por quadros na televisão, vídeos em redes sociais e best-sellers como Estação Carandiru, Drauzio Varella é categórico quando o assunto é a interrupção de gestações. “O aborto já é livre no Brasil. É só ter dinheiro para fazer em condições até razoáveis. Todo o resto é falsidade. Todo o resto é hipocrisia.”


Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), uma brasileira morre a cada dois dias por conta de procedimentos mal feitos e um milhão de abortos clandestinos seriam feitos no país todos os anos.
“A mulher rica faz normalmente e nunca acontece nada. Já viu alguma ser presa por isso? Agora, a mulher pobre, a mulher da favela, essa engrossa estatísticas. Essa morre.”


“Proibir o aborto é punir quem não tem dinheiro”, prossegue Varella, que não acredita que uma eventual descriminalização possa estimular que mulheres busquem o procedimento.


“Não sou defensor do aborto e ninguém é. Qual é a mulher que quer fazer o aborto? É uma experiência absurdamente traumatizante, uma tragédia. A questão não é essa.”


Varella diz não ter opinião formada sobre o aborto neste caso específico. “Na microcefalia, o diagnóstico definitivo é feito em geral próximo ao 3º trimestre. Você pega um feto aos sete meses e ele está quase nascendo” , diz. “Mas é lógico que eu respeito (qualquer decisão).”O importante é dar liberdade aos que pensam diferente”, afirma o médico. “Essa é a questão fundamental do aborto.”


Jà Ana Carolina Cáceres, de 24 anos, moradora de Campo Grande (MS), é a prova viva da opinião contrária a este tipo de aborto, porque ela desafiou todos os limites da microcefalia previstos por médicos. Eles esperavam que ela não sobrevivesse. Hoje, Ana tem 24 anos. Neste dá depoimento, defendendo uma discussão informada sobre o aborto.


“Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada”.


“No dia em que nasci, o médico falou que eu não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor que a média. O doutor falou:” ela não vai andar, não vai falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer “. Ele, assim como muita gente hoje, estava errado.


“Meu pai conta que comecei a andar de repente. Com um aninho, vi um cachorro passando e levantei para ir atrás dele. Cresci, fui à escola, me formei e entrei na universidade. Hoje eu sou jornalista e escrevo em um blog”.


“Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras cinco pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!).

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