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Entrevista

“A terra é a nossa mãe”, diz líder guarani da Reserva de Dourados

29 Jun 2016 - 06h00
Entrevista com Leomar Mariano - liderança da tribo guarani, técnico agrícola. - Crédito: Foto: Hedio FazanEntrevista com Leomar Mariano - liderança da tribo guarani, técnico agrícola. - Crédito: Foto: Hedio Fazan
O técnico agrícola Leomar Mariano, liderança indígena da tribo guarani da Aldeia Jaguapiru, em entrevista concedida ao O PROGRESSO, desabafa sobre as maiores carências da Reserva de Dourados, dentre estas a falta de apoio e de incentivo da Funai e da prefeitura, falta de assistência técnica e de espaço. São 19 mil indígenas vivendo em um espaço de 3.450 hectares. Confira a entrevista.

Quais as condições de vida na Reserva de Dourados?


"Bastante crítica hoje, porque além da gente não ter tanto espaço para plantar nosso alimento na aldeia, está ocorrendo uma incidência muito grande de pragas nas lavouras de subsistência, pela baixa tecnologia que a gente usa na aldeia".

Eles não usam inseticidas?


"Eles até usam inseticida, mas sem uma técnica adequada, é como se alguém fosse ao médico, fizesse uma consulta, pegasse uma receita e fosse à farmácia e comprasse o remédio certinho; no caso eles vão direto comprar o remédio, mas sem nenhuma orientação".

Quais as técnicas que os indígenas usam no cultivo da terra?


"A gente não conta com assistência técnica da Funai, nem da prefeitura, eles usam mais aquilo que aprenderam com os nossos antepassados, técnicas que hoje já não funcionam. As coisas foram mudando completamente, evoluindo".

O que falta para vocês?


"Falta incentivo para que se possa aplicar o conhecimento que a gente tem na nossa aldeia. Falta curso de capacitação, a gente já conseguiu levar alguns cursos para a aldeia, mas após esses cursos não tem incentivo para aplicar o nosso aprendizado".

Por que os índios querem terra em Dourados?


"Nós queremos terra porque hoje não temos mais. Nós não temos mais onde plantar o nosso alimento. Hoje já tem índio alugando casa porque não tem onde construir. Tem índio construindo onde era para ser preservado, em nascentes, mas a terra é importante para nós."

O que significa a terra para o indígena?


"A terra é a nossa mãe, nós temos a nossa terra como algo que é sagrado. São muitos índios, na minha opinião, na nossa região aqui de Dourados são quase 19 mil indígenas, para 3.470 hectares, então, eu acho que nós estamos confinados demais".

Vocês invadem terra?


"As pessoas da cidade falam em invadir, mas nós falamos em retomar a terra, pois querendo ou não a gente é originário dessa terra; então é um direito nosso. Mas como o governo não oferece para nós um lugar, a gente não quer o Brasil inteiro."

O que vocês querem?


"A gente quer um lugar onde possa colocar a nossa família e plantar aquilo que vai usar para a nossa alimentação e também o excedente trazer aqui para a comunidade da cidade. A gente não quer invadir ou retomar propriedades."

Vocês precisam de muita terra?


"Pensando bem, a gente não tem incentivo hoje para poder plantar dez, quinze, vinte, trinta mil hectares. Não adianta conquistar muita terra, se nós não temos apoio, incentivo. A gente gostaria que o governo se sensibilizasse com nossa situação".

O governo poderia resolver a situação?


"A nossa situação está todos os dias na mídia e a gente gostaria que o governo viesse e oferecesse para nós, comprasse, pagasse aquilo que realmente vale, indenizar o proprietário, não precisa ser muita terra, mas sim o suficiente para vivermos com dignidade".

O crescimento populacional se confronta com a falta de espaço?


"Sim porque como a cidade cresce em população, cresce nas suas divisas, ela expande, mas na aldeia de Dourados é diferente porque só cresce no número de pessoas, cresce em população e quem nasce na Reserva Indígena de Dourados, continua na aldeia".

Por que a aldeia de Dourados atrai índios de fora?


"Temos índios de outras cidades se mudando para a aldeia de Dourados, pela facilidade de ter ônibus próximo à aldeia, por estar próxima à cidade, então, na Reserva de Dourados é mais fácil para o índio ingressar em uma faculdade, tentar ser alguém."

Os jovens estão se mudando para a aldeia de Dourados?


"Sim, Dourados oferece uma condição muito boa para quem quer estudar e eles vão parar justamente na nossa aldeia, onde a gente não tem mais como acolher essas pessoas. É tudo mais fácil, e a todo momento vão chegando famílias de outras aldeias."

Não tem como conter a vinda destas famílias?


"As famílias vêm para morar na nossa aldeia e não tem como controlar. Muitas vezes moram três, quatro famílias em uma casa, ele aluga, mora de aluguel, na mesma casa, de outra família, de um parente, tem bastante casa alugada dentro da aldeia, índio para índio".

E as casas que o governo distribuiu na aldeia?


"Aquelas casas do governo, as casas que foram repassadas para os indígenas infelizmente um percentual muito grande daquelas casas estão servindo para comércio, os titulares estão alugando, vendendo para outras pessoas, por isso que muitos tem saído da aldeia".

Hoje eles já não têm mais casas?


"Muitas vezes, ele ganhou a casa, mas não sabemos qual dificuldade que passou, acabou vendendo e hoje está correndo atrás de outra casa por aí, outro espaço. Está tendo um déficit muito grande realmente de casas na Reserva Indígena de Dourados".

O que você considera importante dizer à sociedade?


"Eu queria dizer que nós não somos invasores. A gente fica muito triste quando acontece um fato isolado em uma aldeia talvez distante da nossa e generalizam tudo. Na aldeia de Dourados nós já temos doutores formados, professores, representantes na política, nós estamos lutando pelos nossos direitos, nós não queremos ultrapassar o direito de ninguém, só pedimos para que a sociedade não generalize, nós somos trabalhadores, não somos vagabundos como muitos dizem, nós só queremos uma oportunidade para que possamos competir de igual pra igual com aqueles que tem mais condições que nós".

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