Variedades

De morte em morte, até à vida!

12 NOV 2010 • POR • 10h02
Em conversa mantida até altas horas da noite, em dado momento Jesus se volta para Ni-codemos a lhe diz: «Se você não nascer de novo, não verá o Reino de Deus». Sem nada enten-der, Nicodemos pergunta: «Como é que um homem pode nascer de novo se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer?» (Jo 3,3-4).

A morte é o novo nascimento de que fala Jesus, em qualquer sentido se queira tomá-la. Se for espiritual, ela se identifica com a conversão de cada momento, como escrevia São Paulo aos cristãos de Corinto: «Morro todos os dias» (1Cor 15,31). Nessa perspectiva, poderia também ser traduzida em “Nasço todos os dias”. Se ela for física, assemelha-se ao grão que, ao ser se-meado na terra e “perder” a própria identidade, dá origem a uma nova vida. É o que explicava São Paulo na mesma carta: «O que semeias, não nasce sem antes morrer. E o que semeias não é o corpo da futura planta que deve nascer, mas um simples grão de trigo» (1Cor 15,36-37).

Para melhor entender o que Jesus quer dizer ao exigir um novo nascimento para quem de-seja segui-lo, suponhamos uma conversa entre a mãe e o bebê que se encontra em seu ventre: «Meu anjo, dentro de poucos instantes você vai nascer» «Não, eu não quero deixar o ninho aconchegante que me acolheu durante nove meses». «Se você não nascer, vai morrer. E eu tam-bém com você». «Tenho medo do que vou encontrar lá fora; aqui estou seguro». «O que você vai encontrar é um mundo maravilhoso, cheio de luz, de amigos e de oportunidades».

A criança só vai “aceitar” de nascer se fizer um ato de confiança na mãe e acreditar que o seu “sim” lhe trará algo muito melhor. Foi o que aconteceu com cada um de nós. A não ser os que se sentem rejeitados ou derrotados, ninguém quer voltar ao útero materno. Nascer significa passar por etapas, descobertas e experiências jamais antes imaginadas.

Se isso se verifica na terra, muito mais na eternidade. É o que tentava explicar São Paulo aos coríntios, arredios quando se tratava de acreditar na vida eterna: «Eis o que acontece com a ressurreição dos mortos: o corpo é semeado corruptível, mas ressuscita incorruptível; é semea-do desprezível, mas ressuscita glorioso; é semeado na fraqueza, mas ressuscita cheio de força; é semeado corpo animal, mas ressuscita corpo espiritual» (1Cor 15,42-44).

Contudo, não se pode fechar os olhos diante da realidade: ao nascer, a criança chora e es-perneia. É demasiado forte o impacto e o corte entre as duas realidades que a afetam. A mesma coisa sucede no último nascimento, a morte. O próprio Jesus teve medo e rezou: «Minha alma está numa tristeza mortal. Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice!» (Mt 26, 38.39).

Mas Deus ficou em silêncio, tanto que Jesus gritou no alto da cruz: «Meu Deus, por que me abandonastes?» (Mt 27,46). Numa releitura feita à luz do Espírito Santo, a Carta aos He-breus garante que Deus ouviu a oração de Jesus: «Durante a sua vida na terra, Cristo dirigiu preces e súplicas, com clamores e lágrimas, ao Deus que o podia livrar da morte. E Deus o escutou por sua submissão. Embora sendo filho, aprendeu o que é obedecer através de seus sofrimentos. Foi assim que se tornou fonte de salvação eterna para todos os que o seguem» (Hb 5,7-9).

Graças a Deus, a última palavra não pertence à morte, mas à vida: «Portanto, quando este ser corruptível for revestido da incorruptibilidade e este ser mortal for revestido da imortalida-de, então se cumprirá a palavra da Escritura: “A morte foi engolida pela vitória”. Morte, onde está a tua vitória?» (1Cor 15, 54-55).

De acordo com a Bíblia, Abraão chegou à Terra Prometida depois de uma longa viagem. Foram inúmeras as vezes que precisou montar e desmontar as tendas. Da mesma forma, de eta-pa em etapa, o cristão alcançará uma pátria que vai além de qualquer imaginação: «O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, é isso que Deus preparou para aqueles que o amam» (1Cor 2,9).