Dia da Poesia

Manoel de Barros se eternizou através da poesia

14 MAR 2020 • POR Redação • 07h09

Manoel de Barros partiu aos 97 anos, em 13 de novembro de 2014, após longo período internado no Hospital Proncor, em Campo Grande. Poeta sul-mato-grossense, Barros conseguiu um feito desejado por toda humanidade desde os primórdios: a eternização. 

 

Isso não se deu na matéria, mas em memórias, contos e versos, poesias e prosas. Manoel de Barros é um eterno mentor. Foi autor de inúmeros tesouros da literatura nacional, despontou seus escritos nos quatro cantos do País, levando o Pantanal para dentro do sertão nordestino e para as serras da região sul. 

 

Conhecido por sua criatividade simples, recheadas de reflexões profundas ampliadas à ótica da infância, o poeta de MS não se rendeu aos limites da morte e continua perpetuando sua sabedoria e constrangimento diante de um mundo controverso e sem rédeas. Manoel de Barros sempre reproduziu a vida no seu melhor lado. 

_________________________________________________

O apanhador de desperdícios

 

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato

de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

_________________________________________________

Hoje, 14 de março, como não recordar de sua sutileza ao destacar nossas riquezas? A terra que o cobriu sempre foi seu ponto de partida para invencionices literárias. Ele amava Mato Grosso do Sul como amou a poesia. Fez da nossa história seu pincel, e dos corações a tela perfeita para uma pintura jamais desgastada. Manoel ‘pintava e bordava’ em palavras.

 

O representante intrínseco da nossa literatura deixou um legado de contemporaneidade e autenticidade que precisamos conservar. Barros foi um poeta dos dias atuais, que reforçava o que se via nos olhos das crianças. Não uma poesia infantilizada, mas pura e sensata. 

 

No final de seus dias, já não lembrava mais de ninguém. Os duros golpes da vida, após a perda dos dois filhos homens, lhe prejudicaram a vontade de transmitir inspiração. Mas seu conteúdo é eternizado. Antes ele já havia nos ensinado que “o ser biológico é sujeito à variação do tempo, o poeta não”.