Cultura do Estupro

De janeiro a junho, uma mulher foi estuprada a cada três dias em Dourados

11 JUL 2018 • POR Ana Ostapenko • 18h00
Em 6 meses foram registrados 53 casos de estupro em Dourados - Kevin Laminto/Unsplash

De acordo com a Delegacia da Polícia Civil de Dourados, foram registrados de janeiro a junho de 2018, 53 casos de estupro, sendo 52 vítimas do sexo feminino e uma do sexo masculino; uma queda de quase 30% em relação a 2017, que no mesmo período registrou 79 casos. Em todo ano passado o número de denúncias chegou a 191.

A atribuição dessa queda nas denúncias são as ações preventivas da Polícia Civil. A Delegacia da Mulher fez diversas campanhas junto com a rede de enfrentamento e também priorizou o combate a esse tipo de crime, além de agora contar com uma psicóloga que atende as vítimas.

Este tipo de crime, onde a maioria das vítimas são mulheres e crianças, para que a polícia chegue ao agressor é necessária a denúncia, e é aí que mora o grande problema. Por ser um crime que constrange, muitas vezes a vergonha e o medo são os maiores impeditivos para a denúncia.

Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cerca de 90% dos casos não chegam às autoridades. A maioria dos agressores são pessoas conhecidas das vítimas e eles usam da força física ou da ameaça como forma de coagi-las, assim é possível entender por que apenas 10% dos casos são denunciados.

Crianças e adolescentes

Segundo o conselho Tutelar de Dourados, entre janeiro e fevereiro deste ano, foram registrados 25 casos de estupro de menores. As idades das vítimas variam de 4 a 14 anos e os agressores são sempre pessoas próximas como pais, padrastos, amigos ou tios, 70% dos casos aconteceram na Reserva Indígena. Muitas vezes os crimes estão ligados ao consumo de bebidas alcoólicas e drogas, o que não diminui a gravidade e nem justifica a realização do crime.

Os crimes em que há penetração vaginal, em adolescentes entre 14 e 17 anos, resulta em uma grande taxa de gravidez, que ocorre em 15% dos casos. Isso acontece em decorrência de eventos repetidos, tendo em vista o histórico de violência sexual intrafamiliar, segundo o IPEA.

As vítimas de estupro, quando menores de idade, podem denunciar o crime anos depois da consumação do ato. Isso porque, com a alteração do Código Penal por meio da Lei 12.650 de 2012, a prescrição de crimes contra a dignidade sexual praticados contra crianças e adolescentes passa a ser contada da data em que a vítima completar 18 anos de idade. A lei é conhecida como Lei Joanna Maranhão, nadadora que, em 2009, denunciou ter sido vítima de abusos sexuais praticados pelo seu treinador quando ela era criança.

Cultura do Estupro

O estupro está descrito no artigo 213 do Código Penal como: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Desde 2009, o estupro deixou de ser apenas o ato que resultava na prática do ato sexual em si. Com a alteração do Código Penal, houve uma fusão de condutas no artigo 213, incluindo os atos libidinosos, que antes eram classificados como atentado violento ao pudor e eram previstos no artigo 214, que foi revogado.

A cultura do estupro é um termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento do agressor. É uma consequência da naturalização de atos e comportamentos machistas, sexistas e misóginos, que estimulam agressões sexuais e outras formas de violência contra as mulheres.


Esses comportamentos podem ser manifestados de diversas formas, incluindo cantadas de rua, piadas sexistas, ameaças, assédio moral ou sexual, estupro e feminicídio. Na cultura do estupro, as mulheres vivem sob constante ameaça.

Os agressores, ao se sentirem à vontade para abordar as mulheres em qualquer espaço e contexto, atentam contra a liberdade sexual delas. Afinal, a liberdade reside no poder de escolha e no controle de quando e onde uma pessoa quer fazer ações de caráter sexual ou afetivo. Atualmente, com o assédio naturalizado, as mulheres não têm essa escolha.

Combater a cultura do estupro implica estarmos atentos a toda e qualquer atitude cotidiana que agride a liberdade sexual da mulher. As duas palavras-chave que auxiliam nesse processo são: consenso e respeito. Respeitar mais a mulher enquanto indivíduo, enquanto ser humano que ela é, com seus desejos, medos, ambições e sonhos é um dos caminhos. Ela não é obrigada a satisfazer vontades sexuais das quais ela não compartilha.

Lembramos que você pode denunciar casos de abuso sexual infantil apenas discando 100, para a Polícia Civil disque 181 e para a Polícia Militar 190. Não se cale, não tenha medo, denuncie.