E se você não existisse? Tem gente que não existe
12 ABR 2016 • POR • 06h00Imagine, agora, que você não tenha documentos; que você não tenha sequer um nome oficialmente reconhecido. Desesperador e surreal, não é mesmo? Um papel com um selo ou gravura qualquer pode parecer uma bobagem, mas é essencial para viver na nossa sociedade.
Pois bem. Certo grupo de pessoas bem perto de você (em Caarapó) enfrenta, entre outros, este problema: o de não existir oficialmente, não possuir o famoso "documento oficial com foto".
Isso mesmo, algumas crianças não estão estudando por não terem como serem matriculadas de fato em escolas; vários idosos não estão recebendo direitos assistenciais por ausência de documentos oficiais; e muitos jovens sendo obrigados a trabalharem na informalidade por, pasme, não conseguirem a emissão de uma simples Carteira de Trabalho.
Essas pessoas são Guaranis Transfronteiriços que vivem em Caarapó. Muitos carregam nos ombros uma vida de "anonimato" – como a Dona Ramona, de quase 70 anos e que, segundo os registros oficiais, não existe.
Do mesmo jeito que a senhora acima citada, seus filhos também não têm documentos – uma herança indesejável e incompreensível que os netos de Dona Ramona já receberam.
A situação, que não é inédita nem exclusiva, não poderia ser observada por aqui; não apenas por ser uma demonstração triste da realidade vivida pelos indígenas – senão, também, pelo fato de que o País pode responder internacionalmente por este desrespeito.
Com efeito, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que, via Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, negligência e tolerância no caso da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes (que mais tarde foi a ser a inspiração para a Lei 11.340 de 2006, apelidada de Lei Maria da Penha).
Na hipótese dos Guaranis Transfronteiriços há sérias violações aos direitos mais caros de um ser humano – como havia no caso de Maria da Penha.
A não emissão de documentos, a inércia diante das demandas dos indígenas e a falta de vontade política na solução de problemas simples – mas que afetam de maneira fatal a qualidade de vida das pessoas – pode representar problemas reais para o Brasil no âmbito internacional.
O que entristece e assusta é saber que, infelizmente, a solução deve demorar a chegar; e que, talvez, só chegue depois que o País for responsabilizado.
Ainda que sem qualquer efeito, responsabilizamos, pois, o Brasil pela angústia observada no olhar de sequidão de quem ao menos almeja existir.
Advogado/Bacharel em Direito. e-mail: ferricaio@gmail.com e ingridtorres_direito@hotmail.com