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Haitianos vivem rotina de fome, falta de espaço e desilusão na Amazônia

14 Fev 2011 - 16h15
Edeline desabafa \"aqui é pior que o Haiti\"; sonho de haitianos é viajar para Manaus - Crédito: Foto: Luciana Rossetto/G1Edeline desabafa \"aqui é pior que o Haiti\"; sonho de haitianos é viajar para Manaus - Crédito: Foto: Luciana Rossetto/G1
O fluxo de imigrantes mudou a rotina de Tabatinga (AM), localizada na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Vários grupos de até dez haitianos passam a manhã caminhando pelas ruas da região central se oferecendo para fazer bicos em troca de alguns trocados ou até de um prato de comida. Poucos têm sucesso.

No horário do almoço, eles retornam para as casas que servem de alojamento. Algumas foram cedidas por moradores da cidade e abrigam até cem pessoas. Outros conseguiram alugar quartos pequenos que dividem com outros imigrantes. Passam o resto do dia sentados em frente às casas, pensando em como conseguir dinheiro e até comida.

Os haitianos começaram a chegar a Tabatinga, cidade na fronteira da Colômbia e do Peru, em novembro, depois de uma viagem de até dois meses por países da América Central e do Sul. Os imigrantes fogem da devastação provocada pelo terremoto ocorrido em 12 de janeiro de 2010 no Haiti.

Em um dos imóveis que abriga cerca de cem haitianos, Eliane Floreius é uma das cinco mulheres que tenta manter o local limpo. O cheiro azedo e a quantidade de lixo espalhada dentro e fora da casa revelam que o trabalho não é fácil. Como o trajeto até o Brasil é penoso, as famílias costumam economizar dinheiro para mandar os homens mais fortes para buscar trabalho.

“A mulher sempre tem medo de se arriscar, mas eu sou muito forte e corajosa. No meu caso, não tenho marido. Tenho três filhos pequenos e preciso sustentar meus pais. No Haiti, eu vendia roupas na rua e também trabalhava na lavoura de tabaco. Perdi tudo no terremoto e vim porque preciso ajudar meus parentes que ficaram lá”, diz.

Ela chegou no dia 28 de janeiro e procurou emprego como vendedora e até diarista em Tabatinga, mas não conseguiu nada. “Enquanto não arrumo o que fazer, vou tentando limpar a casa e lavar as roupas. Pena que não temos sabão”, afirma.

Todo o espaço útil da casa é usado como dormitório pelos haitianos, que dormem lado a lado em colchonetes ou sobre lençóis no chão. As poucas roupas ficam penduradas em pregos e varais improvisados que passam de um canto ao outro do imóvel. Na casa há um banheiro e, para usá-lo, é necessário esperar em uma fila.

A cozinha é usada como quarto e os haitianos preparam as refeições em fogueiras, com panelas doadas por moradores. O alimento também é fruto de doação, mas geralmente não é suficiente para todos. Quem chega por último, não come. Se tiver dinheiro, consegue comprar alguma coisa e prepará-la na fogueira, mas sabe que terá de dividir.

“É essa nossa situação aqui. Temos que dormir todos juntos, torcendo para não chover porque há goteiras e para ninguém passar mal, porque senão pode sujar outra pessoa. Ficamos o dia inteiro sem comer. Saímos de uma desgraça e encontramos outra aqui”, diz Raymond Jean Baptiste, de 27 anos.

Outro grupo de haitianos aluga quartos ainda em construção, de seis metros quadrados, por R$ 150 cada. No terreno, há quatro quartos que são ocupados por dez haitianos em média. Há três banheiros coletivos que ficam do lado de fora. A haitiana Edeline Michel divide o espaço com os compatriotas e não esconde a tristeza por não ter tido sucesso no Brasil.

“É apertado demais e temos muitos mosquitos também. Eu não consigo dormir direito, fico com medo. Aqui é pior que o Haiti, mas acho que ainda não estou no Brasil. Tabatinga não é Brasil, Manaus é”, diz.

Ela ajuda a preparar a comida em um fogão velho, que foi doado por um vizinho, enquanto chora de saudades dos três filhos, dos pais e da irmã. “Eu vim para cá em dezembro e não consegui ajudar minha família. Não liguei mais para eles porque estou com vergonha. O que eu faço para ter dinheiro aqui?”, diz.

Idioma
Os haitianos falam francês e crioulo, mas conseguem se comunicar bem em Tabatinga (AM). A maioria fala espanhol e arrisca algumas palavras em português durante uma conversa. Os imigrantes que já estão há mais tempo no país, cerca de quatro meses, já se mostram à vontade para usar a língua em muitas situações.

“Bom dia. Por favor, quero ir para Manaus. Dinheiro depois”, foi assim que o haitiano Eind Jean tentou conquistar a simpatia do piloto da embarcação de passageiros que segue para a capital do estado. Ele não conseguiu a carona, mas pretende insistir. “Estou no Brasil há quatro meses e acho que estou falando bem português. Às vezes, eu me confundo, falo francês, espanhol, uso as mãos, mas tenho certeza que todos me entendem”, explica.

Professor de matemática no Haiti, Reynald Baptist espera aprender bem o idioma português para continuar com a mesma carreira no Brasil. Ele chegou em novembro passado. “Sonho conseguir dar aulas no Brasil, mas acho que o governo só vai me dar emprego depois que eu falar bem português. Até lá, quero arrumar um emprego em loja ou qualquer lugar para ter o que mandar para minha família”, diz.

(G1)

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