O Ministério Público Eleitoral de Dourados acaba de dar um xeque-mate nos políticos que fazem campanha no segundo maior colégio eleitoral de Mato Grosso do Sul: percorreu os postos de combustíveis para constatar a quantidade de litros que cada candidato comprou e comparar se a gasolina adquirida no posto é suficiente apenas para manutenção da frota de campanha ou está sendo usada também como ferramenta para aliciar os eleitores.
Ao se antecipar a possíveis denúncias de abuso de poder econômico ou de compra de voto através dos chamados \"vale-gasolina\", o promotor de Justiça Eleitoral, João Linhares, presta um serviço de relevância ímpar não apenas à sociedade, mas, sobretudo, à lisura do processo eleitoral. Não é possível que enquanto uns candidatos gastam sola de sapato tentando convencer o eleitor sobre a importância das suas proposta de trabalho, outros optem pela compra descarada de votos por meio de cotas de gasolina, materiais de construção, próteses dentárias, pagamento de contas de água e energia elétrica e, sobretudo, com a distribuição de cestas básicas de alimentos.
Da mesma forma, não é possível que os eleitores da cidade que acabou de ser varrida por uma tsunami de corrupção; que virou notícia nacional e internacionalmente em virtude dos vídeos onde políticos aparecem embolsando dinheiro público; que está numa encruzilhada política, onde a prefeitura é comandada por um interventor e a Câmara Municipal não consegue voltar à normalidade; ainda existam pessoas que aceitam barganhar o voto por favores comerciais.
O eleitor que vende o voto ou o troca por um \"vale-gasolina\" é tão culpado pela corrupção quanto o político que chega ao poder com o único e exclusivo objetivo de se locupletar com o erário, como ocorreu recentemente em Dourados. Neste cenário, o serviço de investigação conduzido pelo promotor de Justiça Eleitoral, João Linhares, surge como uma importante possibilidade para responsabilização não apenas dos candidatos que corrompem, mas, também, dos eleitores que se deixam corromper.
Todos devem ser enquadrados na Lei 9.840, que alterou os dispositivos da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, para tipificar o crime de compra de voto. Aliás, esta mesma lei deveria ser aplicada no julgamento dos detentores de mandato que foram presos na Operação Uragano, de forma que todos eles teriam o mesmo fim dos 667 prefeitos, vices e vereadores que foram cassados pela Justiça Eleitoral desde que a legislação entrou em vigor.
Contudo, esse número seria infinitamente maior se a Lei 9.840 tivesse sido empregada também para punir os deputados estaduais, deputados federais, senadores e até governadores que abusaram do poder econômico e compraram, de forma descarada, votos nas últimas eleições. Se entre janeiro do ano 2000 e maio de 2009 a lei foi responsável pela cassação de 460 prefeitos e vices, além de 207 vereadores, quantos não teriam sido cassados se a mesma lei tivesse sido aplicada nas denúncias escabrosas de compra de votos também nas eleições gerais?
O fato é que o processo eleitoral está corrompido e, infelizmente, isto não ocorre apenas em Mato Grosso do Sul. Números de uma pesquisa realizada Transparência Brasil, uma Organização Não-Governamental que se empenha em apurar a corrupção nas instituições públicas brasileiras, revelam que 8,3% dos eleitores brasileiros venderam o voto nas eleições passadas. Na ponta do lápis, significa que mais de 8,25 milhões de pessoas embolsaram algum dinheiro ou receberam vantagens para votar em determinado candidato.
A pesquisa mostra a degradação da sociedade brasileira, já que o eleitor que vende o voto não tem qualquer compromisso moral com o país e, tampouco, está preocupado em saber se o eleito vai honrar o voto que comprou. Vale enfatizar que este sistema é fomentado pela obrigatoriedade de votar, realidade que seria muito diferente se o voto no Brasil fosse facultativo, aliás, como ocorre na quase totalidade das sociedade democráticas de fato e de direito. Faltando poucos dias para as eleições gerais deste ano, fica a expectativa para o comportamento do eleitor douradense em relação aos escândalos que sacudiram a cidade.