Cada vez mais, os trabalhadores autônomos se formalizam para emitir nota fiscal, ter acesso a financiamentos com juros mais atrativos e usufruir de benefícios previdenciários, entre outras vantagens de atuar na legalidade. São os chamados microempreendedores individuais, ou simplesmente MEIs. Hoje, eles são mais de 15 milhões de brasileiros, segundo dados do governo federal. Essa parcela crescente da população que trabalha entrou definitivamente no radar dos criminosos e se tornou um dos grupos mais suscetíveis aos golpes virtuais.
Microempreendedor individual desde 2017, Gabriel Silva Mendeleh, que atua na área de produção cultural, nunca caiu em golpes mas esteve perto. “Eu recebi uma ligação de um escritório de advocacia, supostamente especializado em marcas e patentes, falando que uma outra empresa queria registrar o nome da minha MEI, mas como minha empresa tinha o nome a mais tempo, teria prioridade para registrar.”
Mendeleh achou estranho. “Fiquei desconfiado porque o escritório, ao invés de atender o cliente, me procurar para saber se eu não queria ser cliente dele. E ficou fazendo pressão, dizendo que eu tinha até as 17h, porque senão eles iriam registar a marca para o outro cliente.”
O produtor cultural decidiu investigar. “Eu liguei para um outro escritório de advocacia especializado em marcas e patentes, expliquei o que tinha ocorrido e eles me alertaram que poderia ser um golpe.” Na sequência da investigação, ele foi parar nos sites de reclamação. “Eu vi pessoas reclamando que tinham caído nesse tipo de golpe, mas eu não caí.”
Vulnerabilidade
Situações como a vivenciada pelo Mendeleh são cada vez mais frequentes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil tem mais de 4,6 mil golpes por hora, por aplicativo ou por ligação eletrônica. O especialista em finanças Carlos Afonso explica porque os MEIs são um dos alvos favoritos dos criminosos. “O microempreendedor individual normalmente faz a própria gestão do negócio, da geração das guias de recolhimentos, do envio anual da declaração do MEI.”
Para o especialista, isso de certa forma acaba facilitando o acesso de criminosos. “Claro que existem serviços pagos e que efetivamente cumprem aquilo que prometem, mas tem muita oferta de serviços falsos que vão desde a criação de CNPJ do MEI até as guias fraudulentas de arrecadação”, pondera.
Cristina Godoy Bernardo de Oliveira – Foto: Linkedin
Os MEIs são o público-alvo de crimes digitais contra empresas porque estão mais vulneráveis, na visão da professora Cristina Godoy Bernardo de Oliveira da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. “São diversas as razões. A primeira delas é que a maioria dos MEIs não possui formação específica em segurança digital, entende muito pouco em como garantir essa segurança para seu negócio e, portanto, pode não estar plenamente consciente do risco cibernético a que está sujeito.”
A segunda razão, segundo a professora, está na estrutura enxuta da microempresa individual. “A necessidade de autogestão muitas vezes faz com que a segurança da informação fique negligenciada em favor de outras prioridades empresariais.” Há também o fato de os MEIs lidarem com informações sensíveis. “O fato de os MEIs lidarem com dados sensíveis de seus clientes, sem o respaldo de um setor especializado, os torna alvos fáceis para ataques.”
Prevenção
Cristina Godoy aponta alguns sinais que podem ser alertas para tentativas de golpes. “Mensagens que solicitem informações pessoais, sigilosas, financeiras, de forma urgente. Ofertas que parecem boas demais para serem verdadeiras. Comunicações de órgãos governamentais que exigem pagamentos imediatos. Comunicados ou solicitações de bancos, e-mails com erros de português… tudo isso são indícios comuns de fraude.”
Afonso também cita cuidados para evitar cair em golpes. “O governo federal nunca envia guias de recolhimento por e-mail. Cabe sempre ao MEI fazer a geração dessas guias no portal do microempreendedor individual dentro da plataforma gov.br.” O cuidado deve ser considerado até mesmo na hora de pagar o boleto. “É preciso se certificar de que o beneficiário não é uma pessoa física ou empresa que ele desconhece quem seja.”