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Delasnieve Daspet: uma poeta de muitos tempos

09 Mar 2023 - 09h40Por Redação
Delasnieve Daspet: uma poeta de muitos tempos -

Delasnieve Daspet é poeta, fundadora e presidente da Academia Feminina de Literatura e Arte de Mato Grosso do Sul (AFLAMS), possui publicações no Brasil e no exterior. Já é tempo de se fazer um balanço da produção dessa escritora tão contributiva da boa literatura de MS. O Romantismo, maior e mais importante movimento cultural da sociedade moderna, é a escola literária que abriga sua poesia. O movimento romântico alcança maturidade no século XIX, quando sua literatura apresenta expressivos desdobramentos de cunho subjetivista, ufanista, social e nacionalista, especialmente.

Nessas águas singra o aventureiro barco da poesia daspetiana. Sua produção apresenta duas fases distintas. Na primeira, vamos encontrar uma estética mais ufanista, social, de valorização da natureza e de busca do seu próprio eu, de suas emoções, ou seja, especialmente marcada pela subjetividade, tal como se fez presente nos poetas da primeira geração romântica brasileira. O romantismo esteve presente nos maiores poetas clássicos do Mato Grosso do Sul e também em Daspet. O toque diferencial entre esses poetas da terra e Daspet está na delicadeza das imagens e na subjetividade, traço romântico fundamental da sua poesia, dentro da estética do romantismo oitocentista. 

A primeira fase da sua poética inicia-se em 2004, com a obra Por um minuto ou para sempre, com os temas que lhe acompanhariam por todo esse primeiro percurso, no campo do romantismo: o eu lírico – Sou um fragmento/neste universo infinito; a melancolia – Estrela luzente/sei que queres levar contigo minhas ilusões/minh’ alma/os desconsolos/a minha canção de sofrer; o amor em todas as suas nuances –   a natureza e o tempo – Daqui a pouco teremos o outono/e logo a seguir, o modorrento inverno/E como despedida de tanto azul,/ tanto verde, tantas flores, tantos pássaros,/ de tanta vida a quaresmeira nos lembra... No dizer de sua prefaciadora, um libelo à vida. Um hino ao movimento da vida, digo eu. 

Em 2007, publica Em preto e branco, conjunto de poesias e crônicas, dentro da estética do romantismo, que passeia levemente pelo ufanismo, pelo amor à natureza, revelado no “sentimento de uma enorme força telúrica pelo Pantanal”, diz João Ferreira, prefaciador da obra. E eu reafirmo. Um verdadeiro quadro das belezas bucólicas de seu lugar de origem, uma pintura da vida em movimento .

Em 2011, publica Cantares, um hino de louvor à natureza, aos pássaros, ao ser humano, à beleza. Voltando de Paris, canta sua terra, sua gente, seus amores, a liberdade e a partilha. 
No início de 2014 escreveu O som da lágrima. Qual os românticos brasileiros da terceira geração inspirados pelo voo do condor, ave nativa da Cordilheira dos Andes, que voa alto, livremente e enxerga a longas distâncias, alinharam-se aqueles ao movimento da abolição da escravatura, Delasnieve alinha-se à luta pela libertação da mulher. A obra O som da lágrima é uma das expressões dessa luta.  

Ainda 2014 é o ano que marca a plena maturidade do romantismo mais sofisticado de Delasnieve, em uma obra – Pã-Che Tetã – que reúne todo o universo de Xaraés, de sua terra natal, dos Guaicuru, Kadiwéu, o céu, os ventos, o verdor das matas, a fauna pantaneira, as flores do Ipê. Enfim, um cântico de louvor à natureza e aos seres que a habitam, atravessa os versos do começo ao fim do livro. Um romantismo no seu mais sofisticado alcance. Eu diria que é a chave de ouro que fecha essa fase da poesia de DD. 

A par das publicações nacionais, nesse tempo ainda publicou, na França, em 2009 e 2010, respectivamente, duas edições da obra De liberté em liberté. Em 2010, a mesma obra foi publicada em alemão com o título de Von freiheit zu freiheit.  Em Portugal, um poema seu fez parte de uma antologia de 10 poetas da língua lusófona; na Itália, venceu um concurso de poesia e entrou na publicação de uma coletânea de poemas; na Noruega publicou poemas indígenas em uma obra, O voo da águia.  Na Rússia e Índia, tem publicados estudos científicos sobre a cultura da paz. 

Em 2019, uma nova etapa se abre na poética de Delasnieve, com o lançamento da primeira edição de Mutações, obra que, aliás, carrega um nome simbólico dessa tão significativa ruptura estética com o passado. A segunda fase abrange o período de publicação da primeira edição de Mutações até o momento presente.      

Nesta fase, que nomeio como romantismo contemporâneo, sua poesia ganha altura e ombreia com as mais expressivas vozes da poética feminina brasileira, quando ela voa para uma escrita centrada ainda no lirismo, mas carregada das tintas da contemporaneidade. Delasnieve é uma poeta que acompanha seu tempo e, nesse sentido, soube num determinado momento de sua trajetória vestir seu romantismo com novas formas.  De Mutações em diante, sua poesia alça um voo no tempo.

Ainda centrada na própria poesia, mas também no aqui e agora do mundo contemporâneo, apresenta uma produção poética essencialmente lírica, trazendo ecos do romantismo oitocentista, na valorização da natureza, das emoções, ainda voltada ao eu lírico, mas transgredindo formas e ousando na liberdade criativa. Assinala, pois, a contemporaneidade da sua poética, a composição em versos livres, a absoluta ruptura com os modelos formais clássicos, a recorrência a imagens, sinestesias e musicalidade pautadas no universo prosaico do mundo contemporâneo.

Com esses novos elementos ou com a ressignificação deles, expressa o modo como seu “eu lírico” dá conta de um mundo fragmentário, caótico e contraditório. Essa contemporaneidade se dá na maioria das vezes pela escolha das palavras, substantivos, adjetivos e verbos extraídos do cotidiano. Estas classes gramaticais é que dão a marca do tempo. A mais, sua poesia carrega a contradição entre a doçura e o vigor das paixões humanas em um tempo de decomposição, de “restos humanos”, no dizer de Manoel de Barros.

Carrega, às vezes ecos e tons solenes de histórias antigas; às vezes a irreverência, a ira; outras, a  simplicidade e a mansidão. Com facilidade, constrói versos que saem do mundo terreno e sobem ao éter. Fala das estações, do tempo, do espaço, de lacunas não preenchidas. Capta o movimento dos dias que correm, “imaginando a vida e suas consequências”. Queima incensos à saudade, enquanto a vida se lhe mostra, como um filme barato na penumbra do quarto. Olha para si, prescrutando seu eu: “Fitei a figura pálida do espelho num longo e silencioso olhar”. Conversa com sua poesia, pensa nela, reflete, analisa. Tem uma consciência acurada sobre si mesma e seu papel no mundo. É uma poeta. Sabe disso e cumpre seu destino.

Na luz de um poema
Sei que não morrerei jamais,
Pois brilharei, sempre,
Na luz de um poema
Sou um adjetivo atemporal.
Sem análise conjuntural.
Verbo intransitivo
Indireto, jamais descrito.
A poesia me torna selvagem.
Não morrerei, jamais,
No tempo entre os desiguais.
Nas palavras que murmuro,
Serei, sempre, um poema.

Delasnieve Daspet escreve. A poesia lhe brota fácil, intensa, forte e doce. Com esse instrumento, se faz arauto de um mundo onde sabe que é preciso preservar e legar ao futuro a sensibilidade, o sonho, a fantasia, o incomensurável que o universo tecnológico teima em arrastar para o fundo da história. Delasnieve Daspet é imprescindível. Sua poesia salva o mundo da secura da palavra árida. Delasnieve produz palavra regada, que brota. Espalha seu canto por livros, revistas e jornais. Incontáveis são os seus poemas. Como se não bastasse, promove outros poetas, publicando-os, entrevistando-os, organizando antologias, trazendo à luz, seja por meio de lives, ou da Revista Feminae, da AFLAMS, academia que ela mesma fundou para promover a literatura e a arte no Mato Grosso do Sul; seja em sua Coluna Poética, no jornal O Estado e onde mais for possível promover, não a si, como tantos escritores fazem, mas promover a poesia, a literatura, a cultura, atuando verdadeiramente, não só no campo da poética, mas da literatura em sua totalidade. 

Delasnieve é simples, como se fosse uma pessoa apenas cotidiana. Não é. Sua simplicidade vem do seu ser poético. Mas, tem sede de fazer, de espalhar ideias, projetos, de criar instituições, eventos, tudo o que promova o humano, sem saber talvez que a ela bastasse apenas ser poeta e estaria cumprido com louvor seu estar no mundo. 

Ana Arguelho
Doutora em Literatura
Membro da Academia Feminina de Letras e Artes de MS
 

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