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Cultura

A poética e o lirismo de Maria Galindo

Mulher é desdobrável "Somos feitos da matéria dos sonhos"

20 Mar 2023 - 09h00Por Redação
Sua escrita é assinalada por tais características e cultura de sua voz performática, transladada em percussão que recolhe a alma feminina - Sua escrita é assinalada por tais características e cultura de sua voz performática, transladada em percussão que recolhe a alma feminina -

 A Poesia de Maria (2019), O Sagrado Feminino (2013), Cor-de-rosa e Carmim (2002), constituem a trilogia das obras criativas e de imaginação da poetisa douradense, sul-mato-grossense, nordestina, cujo nome de batismo é Maria de Lourdes Gonçalves Teixeira. Com este último sobrenome ela foi galhardeada por ter se casado em segundas núpcias com meu amigo e um dos maiores compositores da música de nossa terra, Renato Teixeira. 

Mais conhecida e representada pelo cognome “Maria Galindo”, sua obra fez estarrecer, suspendi a escrita de meu próprio livro, para debruçar-me sem demora pela voragem da escrita de Maria Galindo. Escrita atravessada por traços de limites e fronteiras, borderlaine, como a homenageada escrita México-estadunidense Glória Anzáldua. Com efeito, essa escrita guarda traços indeléveis da vida errante de Maria Galindo, como nordestina retirante, mestra em língua inglesa e língua portuguesa, dois idiomas que bem cedo dominou com competência e tenacidade. 

Sua escrita é assinalada por tais características e cultura de sua voz performática, transladada em percussão que recolhe a alma feminina, fazendo lembrar o clássico volume de outra incomensurável voz das letras nacionais, Rosyska Darcy de Oliveira, que escreveu notável volume de leitura obrigatória e iniciante, O Elogio da Diferença _ O feminino emergente (Le Féminin ambigu, La Cultures femmes: tradicion et innovacion.

Como se verá, à guisa de constatação, seus versos, que destacarei, a poética e o lirismo de Maria Galindo, são marcados por essa volúpia do verbo encarnado e trazem o lamento da dissolução da vida e das coisas, associada ao quase total desconhecimento de sua obra. Verbo encarnado, admira que sua obra seja conhecida e apreciada por uma pequena grei. Seus versos derivam de uma intricada elaboração poética, resultando na fluidez do verso do bardo inglês que diz foi com fragmentos tais que escorei minhas ruínas. 

Mas seria preciso ainda, da enorme poética plástica de Maria Galindo, destacar sua experiência e labor em vários temas, tais como suas publicações, inúmeras, sobre crítica literária, sobre a obra de uma figura ímpar de nossa literatura que foi Sylvino Jacques. Foi ela quem trouxe à luz a imensa fortuna desse bandoleiro da fronteira Brasil_Paraguai, que se envolvera com revolução de 1930 e teria sido protegido por Getúlio Vargas. Sobre Sylvino Jacques ela elaborou sua dissertação de mestrado, depois ampliada em inumeráveis páginas, com fartura de documentos e depoimentos que fascinaram sua banca examinadora. Esta elogiadíssima tese de doutorado fez que Maria Galindo recebesse visibilidade como intelectual, após primorosa arguição de professor da Universidade de São Paulo, convidando-a para ingressar no Doutorado daquela instituição.

Mas o tempo que tenho já vai se esvaindo. Preciso citar os versos da poetisa que relúmem  sua voz lírica e traduzem seu longo percurso de vida comprometida com seu tempo e sua gente, marcada por sua trajetória, e por suas lutas e testemunhos de vida. Raras vezes a memória moderna e dos ancestrais foi tão esplendidamente empregada como aqui.  
O segundo livro de Galindo, aqui reverenciado, traz eloquente prefácio de Renato Teixeira, artista de reflexões apurada, principalmente quando assinala: “Sua poesia é só sua e de quem, como ela, precisa continuar existindo bem longe de suas origens geográficas e mais longe ainda de suas origens étnicas. A inspiração é suas asas...”

Ilustram os versos do poema “Quantas Marias”:

“Me perdi entre /Marias/ Marinas/Marianas/ Maries/ E Madalenas / Agora não sei / Quem sou eu / Sinto que preciso / Me reinventar/ Airam / Aniram/ Anairam/ Yram/ Aneladam/ Estou perdida!/ Não sei / A palavra mágica / E o feitiço / Virou contra / A feiticeira / Vai, Maria, Marina, Mariana, Mary, Madalena!”. Bem assim, nos versos de “Conclusão em Só maior”: “ Não digo mais de mim / Do que o silêncio/ Que dizem meus olhos / Num esfacelamento que se fez minha morada/ Fazer vivaz. / Me perturbo de loucuras e lembranças / Para mim restou: / O sol maior da solidão latente / O amor nada mais diz de: / Sol lá si dó/ O ré é meu retorno /Ao que sempre fui / E continuo ser: só!”

E ainda nos versos inconsúteis e livres de “Cor-de-rosa e Carmim”: “É por isso que te quero/Vestido de rosa / Despido de gênero / Amante de todas as / Sensibilidades. / Assim, quando te vejo assim / Minha face rosa / De vermelho / Sangue cora, / Cora de coração / De coralina...”
Vai Maria Galindo ser gauche na vida!
        

Paulo Sérgio Nolasco dos Santos
        

Da Academia Douradense de Letras e da Academia Sul-mato-grossense de Letras;
Professor titular de literatura, escritor e crítico literário. 
    Dourados, Verão de 2023.
 

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