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16º
Artigo

O julgamento de Deus - por João Linhares

20 Set 2020 - 15h37
O julgamento de Deus - por João Linhares -
 
João Linhares* -  20.09.2020
 
O Altíssimo e o Satã foram acusados de realizar aposta ilegal, incorrendo, segundo os Promotores do Ministério Público, em abuso de poder, assassinato, lesão corporal e dano, envolvendo a vida de um inocente, Jó, e de sua família. Por capricho, ambos o teriam submetido a inúmeras adversidades e a sofrimento desumano e cruel, de tal arte que ele perdeu os filhos, os bens e foi acometido de tumores e de úlceras.
 
A defesa, a cargo dos mais conspícuos advogados, discordou da imputação e recorreu à Suprema Corte da Terra. Da tribuna, o principal e mais influente orador da banca argumentou:
- Eméritas julgadoras, ínclitos magistrados deste Tribunal, está-se diante de um processo burlesco, surreal, pois, como é de todos sabido, o SENHOR é onipotente, podendo realizar o que estiver ao seu talante, não estando sujeito à jurisdição humana. 
 
O eminente representante do Ministério Público (Promotor-Chefe/Procurador-Geral) na Corte redarguiu:
- Preclaros Senhoras e Senhores, Deus não pode tudo. Por exemplo: é-Lhe possível deixar de existir? Poderia o Divino construir um objeto mais pesado do que pudesse levantar ou um outro ser mais poderoso do que Ele mesmo? A lógica e a dialética denotam que há limites intrínsecos até para o “Criador Incriado”!
Ouvindo isso, o advogado bradou:
 
- Falácias! Sofismas! Esses são os fundamentos principais do órgão acusador. Nada e absolutamente ninguém estão acima de Deus e podem julgá-lo!
 
O promotor repeliu:
- Hoje é um dia histórico para ser registrado nos anais deste Areópago! Afirmar-se-á o império da Constituição, que está acima de tudo e de todos, pouco importando o grau de hierarquia dos cargos que ocupem. Ela, a Norma Fundamental, preconiza a igualdade das pessoas, sem distinção de qualquer natureza. 
 
A defesa insistiu:
- Está-se, sem dúvida, diante de uma ação penal espetaculosa, pirotécnica, amparada em flagrantes ilações desprovidas de base empírica, sendo uma obra de ficção, e que visa apenas à promoção de “justiceiros” e à difamação dos protagonistas deste episódio bíblico, com mácula à reputação ilibada de Deus. E não é só, dado que a decisão do juiz que aceitou a denúncia do Ministério Público revela ativismo desmedido, sendo genérica e sem base. Não é possível conceber que os fatos aqui examinados possam ser objeto de avaliação pelo Poder Judiciário, pois escapam de sua competência. Deve-se ter em vista que está ocorrendo flagrante e indevida intromissão na soberania do Poder Executivo Atemporal.
 
O promotor rebateu:
- Insignes bobagens! Crimes contra a humanidade devem ser combatidos e severamente reprimidos, conforme preceitua o próprio Direito Natural, inalterável, eterno e universal. A atividade jurisdicional é ínsita à democracia e nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser arredada de apreciação judicial, ainda que perpetrada pelos “maiorais”, quer da Terra, quer do além. Pode-se ignorar a história, a ciência e a verdade consolidada? Não! Com efeito, existem disposições que são imutáveis, cláusulas pétreas, que não podem ser violadas e cuja inobservância gera a responsabilização de quem quer seja.
 
Uma delas é o respeito aos direitos individuais, com ênfase na vida, na integridade física e em não ser privado da propriedade, sem o contraditório e a observância do devido processo legal. E foi exatamente o que ocorreu, porque Jó teve arruinado seu patrimônio, foi acometido de lesões corporais e pessoas inocentes morreram! 
 
O advogado, na empolgação dos debates, declarou:
- Destaco que, por ser o SENHOR o único ente realmente Supremo, não podem órgãos inferiores submetê-Lo ao crivo da lei. Meu cliente goza de imunidade! E caso pudessem julgá-lo, o que somente se admite a título hipotético, somente a este Sodalício tal competência ensejaria. Ele teria foro privilegiado. 
 
O Ministério Público, mais uma vez, respondeu:
- No tocante à pretensa imunidade divina, infere-se que ela não viceja, já que não está expressamente prevista em nenhuma lei. Demais disso, Deus, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, atribuindo-lhe o livre-arbítrio, conferiu-lhe, por conseguinte, o direito de aquilatar fatos e de julgar qualquer um. Acresça-se que, se um ser semelhante é julgado por afronta ao direito positivo, não é franqueado a outro, ainda que suscitando “caráter de ente qualificado”, eximir-se desse ordenamento a todos imposto. Nessa perspectiva, deve-se lembrar que a competência desta Corte é estabelecida em rol fechado e exaustivo (numerus clausus), não podendo ser alargada e, nessa toada, o almejado foro por prerrogativa de função reivindicado pela defesa é anacrônico e deslegitima os ideais da isonomia e da república. Havendo a imputação de homicídio (crime doloso contra a vida), o julgamento cabe, originariamente, ao Tribunal do Júri – a um Conselho de Sentença, órgão colegiado da primeira instância judiciária, competindo-lhe inclusive a análise dos delitos conexos. Sob essa joeira, afigura-se paradoxal o pedido de concessão de foro privilegiado ao aludido réu, porquanto será Ele julgado por pessoas criadas à Sua própria semelhança, ou seja, por pessoas do povo e finalizou: “vox populi, vox Dei”, de sorte que não haveria, caso inocente O fosse, o que temer do veredicto.
 
O defensor então voltou furioso à baila, empostou a voz e enfatizou:
- A rainha da Inglaterra usufrui de imunidade!
O Ministério Público objetou:
- Mas ela não tem poder de mando! É figurativa! 
O advogado argumentou:
- No Brasil, até filho de político importante consegue o foro privilegiado, inclusive com parecer favorável do Ministério Público.
O promotor, neste instante, ficou nitidamente abalado, com a face rubra, tossiu e engoliu a seco; logo depois, tomou um café, recobrou a fleuma e altercou:
- Neste citado país, o povo é ótimo, entretanto as coisas sucedem como no inferno, nada é proibido de fato, ninguém influente é efetivamente punido pelos ilícitos engendrados e tudo pode acontecer. Nele, o arcabouço jurídico-político e institucional foi desenhado pelo Satanás!
 
O defensor, sem perder o prumo, fulminou:
- Esqueçamo-nos do Brasil. Lá é, deveras, um caso à parte. O relevante mesmo aqui é que Jó não autorizou o processo! Ele é o único interessado e, desta forma, a ação penal não poderia ter sido deflagrada, sem a aquiescência dele. A defesa requer, à derradeira, a improcedência da ação e a concessão de justiça gratuita, por ter Adonai feito voto de caridade e de humildade, alegando que o dinheiro é coisa do demônio; além disso, o orçamento celestial estourou em decorrência da atual pandemia e de catástrofes ambientais, já tendo sido, aliás, violado o teto de gastos, razão pela qual foi inclusive preciso contratar, sem licitação, várias empreiteiras e empresas de saúde para enfrentar tais emergências.
 
O promotor, da ribalta, repeliu novamente as digressões defensivas, esgrimindo as seguintes asserções:
- Ora, ora, a defesa joga com as palavras e distorce os fatos. Jó era idoso e estava em situação de plena vulnerabilidade e subserviência e, deste modo, a ação é obrigatória (pública incondicionada), carecendo da vontade da vítima. Enumero ainda que os bens jurídicos em apreciação (abuso de poder, assassinatos, aposta ilegal etc)  são indisponíveis e o Estado têm o dever de preservá-los. No concernente ao mérito da demanda, registro que, por corolário da onisciência, Deus sabia plenamente que Jó era bom, fiel e honrado, isto é, o acusado tinha o cabal domínio do fato e, nesse eito, o ofendido foi indevidamente testado e experimentou sofrimentos horrendos, por má-fé dos imputados, que agiram por motivo fútil e se valeram de meio cruel. Há provas, além de qualquer dúvida razoável, para condenar-se tanto Deus quanto o diabo.
 
Após assistir a tudo passivamente, Lúcifer levantou-se da cadeira, dirigiu-se vagarosamente ao púlpito, olhou de soslaio e com um sorriso de escárnio para o Altíssimo, que estava cabisbaixo no banco dos réus, e vociferou:
-Senhoras e Senhores, toda a responsabilidade dos fatos aqui apurados cabe somente a Deus e ao próprio Jó e demais afetados! Eu jamais fiz algo para ser acusado em qualquer processo. Tenho sido injustamente perseguido e menoscabado ao longo dos milênios, com seriíssimos prejuízos à minha honorabilidade, por infundadas e falsas notícias (“fake news”), provavelmente disseminadas pelos componentes de gabinetes mantidos pelo Poder Central, para me desmoralizar. Fui eu quem, ao longo do tempo, acolheu os excluídos, os rejeitados. Fui eu quem deu asilo a essas almas penadas. Todo aquele que é refugado no céu, por Deus, é por mim recebido com folguedos efusivos! Como já explanado, o inferno é como no Brasil, o melhor dos locais para se viver, porque lá se pode fazer o que se quer, tudo é permitido e há muitas festas e malandragens. Portanto, sou a verdadeira vítima nesse enredo e não o malfeitor! Não coloquei o fruto proibido na boca de Eva e de Adão. Não os compeli a provarem-no. Eles assim agiram, convencidos de que seria o melhor. Foi uma opção legítima deles, dentro da autonomia da vontade que lhes foi concedida pelo próprio Javé.
 
O promotor gritou do seu assento:
- Hipócrita! Demagogo!
O Presidente da Corte, batendo com o malhete três vezes na nobre mesa de jacarandá, exclamou:
- Ordem, ordem! E respeitem-se! Atentem-se à liturgia deste Supremo Tribunal.
 
E prosseguiu Satanás:
 
- Convém rememorar que eu fui o precursor do pensamento liberal e também do capitalismo! É preciso reiterar e não olvidar nunca isso. Fui eu quem sempre defendeu a liberdade total e a ausência às pessoas de limites, pois estes as tornam cativas e as afligem; creio que a intrusão do Poder Divino no âmbito da vida humana é descabida e impertinente. Aliás, cheguei a, momentaneamente, convencer Deus, entre 1939 e 1945, de tal concepção. Naquele período, Ele ficou inerte. Minha tese é de que o homem, por natureza, é empreendedor e senhor de si próprio, em função de que, quanto menor a intromissão do Poder Celestial, mais pujança e liberdade dar-se-ão. É um ciclo virtuoso e um princípio de mercado! Os reinos, quaisquer que os sejam, daqui ou de acolá, devem, quando muito, preocupar-se exclusivamente com seus exércitos, valorizando-os, e velar pela profícua arrecadação de impostos e pouco mais!
 
Escutando isso, o Ministro da Fazenda, o Advogado-Geral do Governo, o Ministro da Defesa e generais, que estavam entre as autoridades presentes na plateia, fizeram, em uníssono, uma ovação e meneios positivos com a cabeça; uns levantaram os dedos polegares das suas mãos, em sinal de joia, outros gritaram “bravo!” e alguns sibilaram, enfim, todos eles concordaram com tais assertivas do tinhoso, no que foram advertidos, por um severo e grave olhar, pelo Presidente da Corte, que os repreendeu verbalmente:
 
-Silêncio e compostura, senhores! Caso contrário, determinarei a condução, debaixo de vara, dos recalcitrantes para fora deste recinto! 
Os admoestados entreolharam-se e balbuciaram algo desairoso. Como as paredes do Sinédrio eram de mármore de Carrara, o eco possibilitou aos presentes ouvir o que sussurraram: não sairiam da Corte, mesmo que determinado pelo Presidente dela. E franziram o cenho, transparecendo indignação com a maneira como foram tratados. 
O Presidente do Tribunal, notando cuidar-se de um blefe, de uma bravata, fez-se rogado e ignorou, restituindo a fala ao
 
Anjo das Trevas, que então arrematou:
- Creio, identicamente, que o mal não se paga com o bem. Ao mal deve-se responder com um mal ainda maior. Trata-se da regra da ação e da reação que a física, por meio da terceira lei de Isaac Newton, comprova. Para mim, o altruísmo, a generosidade e as políticas sociais e de cotas (afirmativas) são axiomas nefastos, concebidos por comunistas.
Nesta ocasião, mais uma vez houve burburinhos, sobretudo por parte do Ministro da Fazenda e do Advogado do Governo, apoiando essa inferência do belzebu.
 
O Presidente do Tribunal tocou a campainha. O Anjo Mau continuou:
- Essas bandeiras protegem os menos evoluídos e atentam contra a meritocracia, contrastando com a biologia, com a genética e com a evolução das espécies que prestigiam os mais hábeis, espertos e fortes. Compreendo também que a verdade é relativa. Ela sozinha não existe! Não há certeza de nada! E a beleza é que cada um pode ter a sua versão das coisas e do mundo. Verdade e mentira são faces de uma mesma moeda, irmãs siamesas. Ora, nesse diapasão, de pronto se depreende que eu promovo apenas ideias, pensamentos puramente abstratos. Não posso ser acoimado de ter engendrado qualquer delito, já que inexiste crime de hermenêutica. Ninguém pode ser punido por cogitar. Por último, quanto a Jó, nada fiz, tudo é culpa dele próprio e de Deus. Logo, peço o indeferimento da ação acusatória e a fixação de danos morais em meu favor, a serem pagos pelo promotor e pelos policiais que apuraram os fatos.
 
De repente, dentro do Tribunal, reverberaram latidos longínquos, vindos de fora. O diabo, aproveitando a deixa final, fitou o promotor e perguntou-lhe:
- Vossa Excelência pediu um aparte?
Os espectadores riram.
E a réplica veio sorrateira e imediata:
- Não, são os ecos de suas palavras!
A plateia gargalhou. O diabo saiu desconcertado para o seu lugar.
 
Interpelado pelo Presidente do Tribunal para fazer Sua peroração, Deus respirou lenta e profundamente; Seus olhos estavam repletos de lágrimas, que escorriam por Sua longa barba grisalha; Ele mirou todos e declarou:
- Prefiro o silêncio à manifestação, porquanto não poderá ser interpretado em meu desfavor.
Após as sustentações orais, a Suprema Corte entrou em recesso.
 
O assunto e os debates entusiasmaram e eletrizaram a sociedade da Terra, que, tal como numa Babel, dividiu-se em bastantes grupos: uns apoiavam os investigadores, o Ministério Público e outros os acusados. Alguns esculachavam ambos os lados; formulavam-se teorias conspiratórias, ao passo que outros pontuavam que tudo se resumia numa orquestração da oposição para desestabilizar o “sistema” e havia os que preconizavam até mesmo a inexistência de Deus e do diabo, narrando que as autoridades estavam unicamente desviando o foco do que realmente importava (diferenças sociais, econômicas, meio-ambiente, questões indígenas, quilombolas, racismo, qualidade da educação, da saúde, da segurança pública, etc).
 
Também havia os acólitos que achavam que Deus era o cramunhão e vice-versa. O dissenso predominava entre as várias classes e distintas vertentes. Pululavam teorias inconciliáveis e cada um se aferrava à sua. Uns culpavam a grande mídia, a principal emissora de TV, os maiores jornais; outros os partidos políticos e ainda aqueles que atribuíam a desordem ao proselitismo. Muitos não tinham convicção de nada e lavavam as mãos, meramente se abstendo de participar das escolhas e das controvérsias. Eram indiferentes ao que estava ocorrendo.
 
Na imprensa, só se falava do processo e de seu enredo. Mesmo detalhes periféricos eram exaustivamente minudenciados. Pormenores como marcas de vestimentas, anéis, gravatas, sapatos, relógios e carros usados pelos advogados e autoridades eram explorados e precificados nos programas televisivos diários e na internet. A grande sensação, neste quesito, todavia era o diabo. Estilistas elogiavam o garbo e os trajes impecáveis dele, a sua cabeleireira farta e engomada por gel suíço, a sua poderosa caneta de ouro cravejada de diamantes, o seu perfume requintado e o modo portentoso e confiante de se colocar, a qualidade de suas joias e abotoaduras. Os seus dentes eram tão perfeitos e alvos que refletiam as luzes como um espelho. Ele virou a sensação da moda e das regras de etiqueta. No imanente ao Divino, a maioria criticava a maneira simplória e demasiadamente humilde com que Ele se apresentava publicamente e ria de Seus andrajos: túnica branca, feita com saco de estopa, alpargatas de dedo e cajado de madeira sem verniz. Aliás, Ele chegou a ser inicialmente barrado pelos seguranças externos do Tribunal – um cabo e um soldado, por estar sem roupa de gala, mas, como era réu, foi-Lhe permitido o direito de acompanhar o julgamento.  
 
Enquanto isso, informações sigilosas do processo vazavam seletivamente e eram objeto de debates intermináveis entre os especialistas, principalmente por aqueles formados nas universidades das redes sociais (Facebook, WhatSapp, Twitter e Youtube). Até as crianças passaram a conhecer os juízes da causa e os respectivos contendores de defesa e do Ministério Público. Era como se eles fossem estrelas cinematográficas, hollywoodianas, aquelas dos clássicos de outrora.
 
Alguns magistrados, inebriados e envaidecidos pela fama e pela própria voz, sentiram-se, naquele fugaz instante de perpetuidade, acima do próprio Deus e tentaram copiar os atributos Dele, dentre os quais a onipresença (na imprensa) e a onipotência (ausência de contenção), sendo que a onisciência já admitiam que a ostentavam; eles começaram a opinar sobre tudo: política, filosofia, artes, informática, esportes, festas de debutantes, concursos de beleza e de talentos...
Muitas famílias, no clima de exasperação gerado, desagregaram-se por conta dos fatos, parentes ofenderam-se, havendo, em alguns casos mais graves, até trocas de sopapos, e cessaram de falar-se; amigos íntimos, de longa data, romperam os laços que os uniam e dedos eram apontados em todas as direções; ninguém definitivamente se entendia.
 
Nesse interstício, num feriado prolongado, em sede Habeas Corpus, houve, na Suprema Corte, a concessão de uma liminar monocrática (exarada por um único juiz), durante o plantão da madrugada, travando-se o andamento dos autos e trancando-se a ação penal.
 
O Ministério Público recorreu ao Plenário do Excelso Pretório (tribunal). No julgamento, houve empate nos votos dos juízes, cujo resultado, como é cediço, favorece o(s) acusado(s):  reconheceu-se o foro por prerrogativa de função e anulou-se todo o processo, com determinação de apurar-se eventual abuso de autoridade por parte do magistrado que recebeu a denúncia e do promotor/procurador que desencadeou a ação e que tiveram a ousadia de colocar, no banco dos réus, tão sublimes personagens. Ademais, o julgador e os membros do Ministério Público teriam agido em conluio e parcialmente, por motivação política, para desestruturar a fé e a religião das pessoas, versando sobre assunto “interna corporis” do céu e do inferno.
 
Satã exultava de tanta felicidade, à medida que saboreava uma pizza!
Contudo, o processo foi renovado e, ulteriormente, muito depois, quando julgado o mérito da demanda pela Suprema Corte, o tinhoso foi absolvido, por unanimidade, e o Todo-Poderoso pleiteou o mesmo resultado (efeito extensivo), em vão: foi condenado, por apertada maioria.
 
Inúmeros juristas, da esquerda, do centro e da direita, interpuseram uma série de impugnações e, por fim, um recurso denominado embargos de declaração com efeitos infringentes (modificativos), e o Tribunal, após diversos pedidos de vista de seus integrantes, reconheceu a prescrição.
 
Diante do resultado, Deus e o belzebu abraçaram-se fortemente, como se aliados fossem, talvez unidos por todo aquele dilema processual, gargalharam e fizeram um pronunciamento conjunto, realçando que a passagem do tempo consome tudo, fatos históricos são grotescamente revisitados e apaga-se a memória coletiva. Concluíram assegurando que a justiça prevaleceu.
 
Dito isso, Deus abriu uma garrafa de Romanée-Conti, sorveu uma taça, encheu outra e a ofereceu ao diabo; este, por sua vez, acendeu um preciosíssimo e raro charuto cubano, deu uma longa baforada e, percebendo a argúcia divina, recusou o vinho, assinalando que a vitória deveria ser comemorada com tabaco e não com bebida. Ambos começaram a discutir qual pecadilho seria o melhor e o mais apropriado para a ocasião, sem todavia qualquer possibilidade de concórdia. Como não se entendessem, resolveram apostar de novo...
 
 

*João Linhares Júnior, crente em Deus, é mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona-Espanha; pós-graduado em Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Titular da 4ª Promotoria de Justiça de Dourados-MS.

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