A professora Zefa Pereira provavelmente é uma das maiores conhecedoras do tema desta entrevista: a crescente degradação das áreas de proteção ambiental (APPs) ) da cidade e da região. Professora Zefa possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2000), mestrado em Botânica pela Universidade Federal de Viçosa (2003), doutorado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas (2007) e Pós Doutorado em Ecologia da Restauração (Embrapa Cerrado). Atualmente é professora associado nível 4 da Universidade Federal da Grande Dourados, Tutora do Grupo Pet Ciências Biológica. Tem experiência na área de Botânica, atuando principalmente nos seguintes temas: Cerrado, Sustentabilidade, Florística e Fitossociologia, Restauração Ecológica e Agroecologia. Na entrevista, a professora conta sua trajetória e traça um panorama sobre a questão da degradação ambiental e as ações que desenvolve para mitigar os problemas causados ao meio ambiente por esse fenômeno.
Quando a senhora começou a lidar com o tema degradação de áreas de preservação ambiental e o quê a motivou?
Fiz mestrado e doutorado em botânica, mas a pesquisa somente não me satisfazia, via que era necessário fazer algo mais do que só estudar as plantas, foi quando iniciei os trabalhos com restauração ecológica, onde além da pesquisa gera um produto que é a recuperação do ambiente degradado. Então posso dizer que o que me motivou foi a necessidade de fazer algo mais pelo meio ambiente.
Como está a região de Dourados no que se refere a suas áreas de preservação ambiental? qual o grau de degradação e quais as principais causas para que ela ocorra?
A área urbana de Dourados é bastante rica em termos de recursos hídricos, conta com vários córregos como o Laranja doce (o maior, com aproximadamente 64 quilômetros de extensão), Água Boa, Rego D`Água, Paragem, Chico Viegas, Olho D´Água, Córrego do Engano e Córrego da Lagoa, Córrego Jaguapirú e córrego Sardinha, esses últimos na reserva indígena. Esses córregos por lei deveriam ter suas áreas de preservação permanente preservada, conforme determina o Art. 4º da Lei 12.651/2012: “30 (trinta) metros, para os cursos d’agua de menos de 10(dez) metros de largura”. Contudo, essas áreas apresentam menos de 20% da vegetação original e o que se tem remanescente é formado apenas por espécies exóticas e invasoras. Essa degradação é observada devido à falta de planejamento e ocupação irregular dos fundos de vales. Essas áreas, além da falta de cobertura vegetal, encontram-se com grande quantidade de lixo.
Quais as ações que a senhora desenvolve em relação aos córregos? e às matas?
Eu tenho focado meus trabalhos de restauração ecológica na Aldeia de indígena de Dourados, mais especificamente no córrego Jaguapiru, e algumas nascente na aldeia Bororó. Nessas áreas iniciamos desde de 2017 um trabalho de restauração das APPs, bem como limpeza da calha do córrego e da nascente. Além do trabalho de restauração em si, fazemos um trabalho junto a escola da Aldeia, com atividades de educação ambiental, viveiros e produção de mudas. Os trabalhos tiveram uma pausa durante a pandemia, e este ano de 2022 retornaram.
Como é o trabalho com as sementes? onde a senhora recolhe e como faz para multiplica-las qual a finalidade dessa ação especificamente?
Esse é outro trabalho que venho desenvolvendo a mais de 10 anos. Temos a feira de sementes crioulas de Juti, que já está na décima sexta edição. O objetivo destes trabalhos é fornecer aos agricultores familiares e indígenas sementes de cultivares agrícolas adaptadas a região e assim promover a independência destes do mercado externo bem como da Funai. Em Dourados implantamos um banco de sementes crioulas na Aldeia Jaguapirú, mais especificamente na escola Municipal Tengatuí. O Objetivo do banco é eles terem autonomia no quesito sementes. Estes sementes foram adquirida inicialmente com recurso de um projeto do CNPQ, sob minha coordenação, através do qual fizemos a compra de grãos, tanto da região como também do paraná. O banco funciona com um depósito de empréstimo de semente – onde o indígena vai, pega emprestada a semente, planta, colhe e depois devolve uma parte do banco, para poder continuar alimentando o sistema.
A Professora Zefa Pereira
Qual a importância das sementes crioulas?
As sementes Crioulas são aquelas variedades agrícolas que não tiveram modificação genética: são adaptadas às condições locais. Essas sementes são a base para uma produção agroecológica, que não usa agroquímicos. A agroecologia visa promover produção de alimentos saudáveis e o não uso de insumos externos. Assim, as sementes crioulas são a vida da agroecologia.
O que a senhora acha que os poderes públicos poderiam fazer para estancar a degradação e quais os efeitos da degradação para a economia, para a agricultura?
- O que temos hoje é a falta de políticas públicas eficientes que cheguem de fácil acesso a essas comunidades. O Poder público precisa ouvir mais e junto com a academia e os órgãos de extensão encontrar alternativas que sejam viáveis e eficientes tanto no sentido da preservação, como na geração de renda como nos aspectos sociais. O que quero dizer com isso é que as vezes até tem políticas de acesso a crédito, por exemplo, mas para algumas comunidades é tão difícil acessar que eles acabam desistindo. Devemos desburocratizar algumas coisas para facilitar a vida do agricultor familiar e indígena. Além disso as políticas não podem ser separadas, não se pode falar em preservação sem falar no social e no econômico. Temos que pensar juntos: são pilares para uma vida sustentável.
A senhora já teve seu trabalho reconhecido?
Sim. Já ganhei duas edições do troféu Marco Verde. Mas quando executo meus trabalhos não busco reconhecimento. O que mais quero é esses córregos urbanos restaurados, com águas cristalinas, sem lixo e que possam dar qualidade de vida e dignidade para à comunidade.
Como é o trabalho desenvolvido na aldeia jaguapiru e quais os resultados que já vem se observando?
Como já falei anteriormente na aldeia já restauramos 3ha de vegetação nativa e temos um viveiro de mudas nativas com capacidade para 10.000 mudas. Além disso, fazemos atividades de educação ambiental.
O que ainda há por fazer na aldeia?
Somente na aldeia são mais de 15 nascentes necessitando de intervenção. São mais de 200 há de APPs que necessitam de restauração. Então, ainda muita coisa para ser feito.
Qual sua opinião sobre os órgãos públicos encarregados de zelar pela preservação das matas e outras áreas de preservação ambiental?
O que vejo que tem muita gente com boa vontade, mas todos os trabalhos públicos esbarram na burocracia que acaba levando a morosidade nas atividades. O que sinto é que tem muita coisa acontecendo de forma fragmentada, deveríamos nos unirmos mais para nos tornar mais fortes. Afinal de contas somos todos responsáveis pela qualidade do ambiente em que vivemos. Todos precisamos fazer nossa parte.