Dourados – MS sexta, 19 de abril de 2024
15º
Violência

Caso Mariana: “Audiência cruel desencoraja novas denúncias”

A afirmação é de autoridades ligadas ao combate à violência contra a mulher. Em Mato Grosso do Sul, foram mil casos de estupro esse ano, segundo a subsecretária Luciana Azambuja

10 Nov 2020 - 13h04Por Valéria Araújo
Caso Mariana: “Audiência cruel desencoraja novas denúncias” - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

O caso da blogueira Mariana Ferrer gerou discussões na área do Direito e também entre os movimentos feministas em todo o Brasil nesta semana. O tratamento recebido por ela durante o julgamento em que acusou um empresário de estupro gerou indignação. Houve reação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e críticas de ministros de tribunais superiores.

Em Mato Grosso do Sul a Subsecretária de Políticas Públicas Voltadas para as mulheres, Luciana Azambuja considerou inaceitável a forma como a vítima foi tratada. “O que vimos foi uma audiência cruel e uma sentença absurda. Desde a denúncia, a jovem Mariana Ferrer vem sendo vítima de um machismo covarde, que insiste em culpar a vítima, mas o vídeo da audiência com os ataques perpetrados pelo advogado é estarrecedor” destaca.

Ele segue: “Mariana foi violada e agredida diversas vezes, por homens e mulheres que se sentem no direito de julgá-la, mas especialmente pelo sistema de justiça, que a humilhou vergonhosamente. É inadmissível que, em pleno século XXI, ainda tenhamos a “legítima defesa da honra”, mas é inacreditável que se lance a tese do “estupro culposo”. Quando falamos para as mulheres não se calarem, é porque elas têm o direito a denunciar e a receberem um atendimento humanizado, acolhedor, especializado. Não podemos aceitar que a vítima saia desse julgamento como a culpada. É preciso mostrar nossa indignação sim, para que situações como essa não sejam banalizadas ou naturalizadas”, considerou.

Ao O PROGRESSO a subsecretária afirmou que somente nesse ano foram mil denúncias de estupros registradas nas delegacias. Ele acredita que o número poderia ser maior se muitas das vítimas não estivessem em situação de isolamento com o agressor. Considerou ainda importante o encorajamento das vítimas.

Na mesma linha de raciocínio, a delegada da Delegacia da Mulher de Dourados, Paula Ribeiro, considerou lamentável o ocorrido na audiência. “Deixou muito claro o despreparo de operadores do direito em lidar com mulheres que sofreram algum tipo de violência. Sabemos das dificuldades das mulheres em denunciarem seus agressores. Colocar a mulher que foi vítima em uma situação em que ela é tratada como nenhum réu é tratado certamente vai contra tudo que todos os movimentos feministas vêm tentando fazer, que é incentivar as mulheres a formalizarem suas denúncias”, acrescenta.

Em vídeo a delegada Bárbara Camargo Alves, da Polícia Civil de MS comentou a sentença e o termo mais divulgado nessa semana “estupro culposo”, que causou estranheza até mesmo entre operadores do direito. Segundo ela, não existe no ordenamento jurídico brasileira, no julgamento de estupro, a modalidade culposa, ou seja, todo tipo de estupro que está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, só pune na modalidade dolosa, isto é, quando há a intenção do agente de culpa de cometer o ato contra a vítima.

“O estupro de vulnerável é um crime que pune o agente mantém conjunção carnal diverso com um menor de 14 anos, com alguém que tenha algum tipo de doença ou enfermidade ou com alguém que por alguma questão transitória não tem capacidade de fornecer oposição àquele ato. Foi esse fato que aconteceu toda a polêmica do estupro culposo. Mas a Justiça brasileira sabe que não existe estupro culposo”, destaca.

Ela acrescenta: “Analisando as imagens eu notei que em nenhum momento o juiz usa o termo estupro culposo. O termo que ele traz é o ‘erro de tipo’. É que o promotor que assumiu o processo durante a tramitação dos autos ofereceu alegações finais e pediu a absolvição do acusado dizendo que ele teria cometido o crime em erro de tipo. Quando no Direito Brasileiro a pessoa comete um crime, estando em erro de tipo, ela só pode ser punida pela modalidade culposa e se aquele crime tem previsão da modalidade culposa. Isso quer dizer que, se pessoa cometeu um crime estando em erro de tipo ou ela é punida na modalidade culposa ou ela é absolvida. Como estupro não existe na modalidade culposa a sequência lógica seria, portanto, a absolvição. Mas onde estaria o erro de tipo no caso do André? Vamos ao fato concreto. Ele foi denunciado por estupro de vulnerável, pois teria mantido conjunção carnal com a Mariana, mesmo ele não tendo nenhuma condição de oferecer oposição ao ato, pois ela teria ingerido involuntariamente alguma substância que alterou sua capacidade, ou seja, ela foi dopada”, destaca.

Ela segue: “Mas segundo o promotor de Justiça, ele não saberia que ela estava sem condições de se opor ao ato, ou seja, ele não saberia que ela estaria dopada, e por não saber que ela estaria dopada, ele teria cometido o crime em erro de tipo e, portanto, só poderia ser condenado pelo crime de ‘estupro culposo’ e como não existe estupro culposo, ele foi absolvido. A verdade é que foi feita uma ginástica jurídica para fazer a absolvição de um homem pelo crime de tipo de gênero contra uma mulher. Por isso, as pessoas estão falando muito, comparando muito, a utilização desse termo, como se fosse uma versão moderna da antiga defesa da honra, antigamente usada para absolver homens que matavam suas esposas”, finaliza.

Deixe seu Comentário

Leia Também

Acumulada novamente, Mega-Sena terá prêmio de R$ 100 milhões
Loteria

Acumulada novamente, Mega-Sena terá prêmio de R$ 100 milhões

18/04/2024 22:15
Acumulada novamente, Mega-Sena terá prêmio de R$ 100 milhões
Tribunal de Justiça empossa o juiz Waldir Marques no cargo de desembargador
Judiciário

Tribunal de Justiça empossa o juiz Waldir Marques no cargo de desembargador

18/04/2024 21:30
Tribunal de Justiça empossa o juiz Waldir Marques no cargo de desembargador
Che Añekambia' promove resgate cultural e profissionalização de indígenas encarcerados
Projeto 'Tembiaporã

Che Añekambia' promove resgate cultural e profissionalização de indígenas encarcerados

18/04/2024 21:00
Che Añekambia' promove resgate cultural e profissionalização de indígenas encarcerados
Titular da SAD debate inovação na gestão pública na 128ª edição de fórum nacional da Consad
Gestão Pública

Titular da SAD debate inovação na gestão pública na 128ª edição de fórum nacional da Consad

18/04/2024 19:30
Titular da SAD debate inovação na gestão pública na 128ª edição de fórum nacional da Consad
Prefeitura e Governo devem assinar acordo para recapeamento de ruas no Água Boa e BNH 4º Plano
Dourados

Prefeitura e Governo devem assinar acordo para recapeamento de ruas no Água Boa e BNH 4º Plano

18/04/2024 18:00
Prefeitura e Governo devem assinar acordo para recapeamento de ruas no Água Boa e BNH 4º Plano
Últimas Notícias