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Combate ao abuso sexual na infância começa em casa, diz delegada

23 Fev 2020 - 08h25
Delegada titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) Marília de Brito, - Crédito: DivulgaçãoDelegada titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) Marília de Brito, - Crédito: Divulgação

Durante o carnaval a incidência de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes aumenta em até 20%, segundo a organização humanitária global de promoção ao desenvolvimento social Aldeias Infantis SOS Brasil. Campanhas diversas como Maio Laranja do Governo do Estado, #DeUmBasta ou #PodeSerAbuso tem um único objetivo: conscientizar a sociedade para a importância de denunciar esse tipo de crime não só nos dias de folia, mas em todos os dias do ano. 

O Disque 100, serviço de proteção a crianças e adolescentes com foco em violência sexual, recebe em média, 50 denúncias por dia com relatos de crimes sexuais cometidos contra menores em todo Brasil. Cerca de 80% deste total são denuncias de abuso sexual, e outros 14% são de casos de prostituição infantil. O numero parece alto, mas poderia ser bem maior, considerando que muitas vítimas não registram denúncia.

Junto com os números surgem questionamentos como: Quais as características de um abusador? Como identificar o abuso sofrido por uma criança? O que fazer diante dessa suspeita? Quem procurar? Como combater esse tipo de crime? Em entrevista ao Portal MS, a delegada titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) Marília de Brito, ajuda a esclarecer essas dúvidas e orienta sobre o tema. 

FAMÍLIA – O contexto familiar está entre os pontos ressaltados pela titular da DEPCA. “Quando a gente fala de violência contra a criança, estamos falando da base da sociedade que é a família. E o que nós temos que fazer? Fortalecer a família. Buscar a não terceirização da educação do filho. Hoje se terceiriza muito. Pouco se sabe da vida do filho, seja ele criança ou adolescente. E quando há essa ausência dos pais, há essa ausência daquele que tem que cuidar, deixando essa criança mais vulnerável”, descreve, referindo-se a vida moderna, onde compromissos e a correria do dia a dia tomam maior parte do tempo dos pais.

EDUCAÇÃO – Junto ao fortalecimento da família, a delegada defende a educação no sentido de orientação conforme a idade da criança. “Não é educar para o sexual. Mas a criança tem que ser educada para saber sobre o que é o próprio corpo, o que ela tem direito, o que o outro pode fazer.  Quem que pode toca-la, o que é um toque bom, o que é um toque ruim. Porque muitas crianças, muitas vítimas, não entendem que aquilo se trata de um abuso sexual”, afirma, reforçando que não se deve deixar a criança com qualquer pessoa.

SINAIS – O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no comportamento habitual da criança. “Teve alguma modificação brusca de comportamento? É importante analisar isso, buscar a origem. As vezes a aproximação demasiada de alguém, ou um antagonismo muito severo com relação aquela pessoa. Queda no rendimento escolar, ansiedade, depressão, automutilação, isolamento. Todos esses são elementos de que alguma coisa está errada. O abuso traz esses sinais”, alerta a titular da DEPCA.

PERFIL – Não existe um perfil específico de abusadores, pois eles podem estar em qualquer lugar, em toda classe econômica, e em todos os ambientes. “Esses indivíduos geralmente tendem a permanecer em locais que dão a ele, acesso a crianças. Mas também tem aquele abusador de gerações. Que abusa da filha, da neta, da bisneta, da sobrinha, e da geração inteira da família”, contextualiza.

QUEM PRATICA? – Estatísticas comprovam que 75,9% dos casos de estupro de vulnerável são praticados dentro do ambiente familiar, por padrastos, vodrastos, avós, pais e tios. “Esse é um ponto delicado. É muito difícil um filho chegar para uma mãe, e falar que o pai, o padrasto, o vô ou vodrasto, está abusando sexualmente. Encarar tudo aquilo com veracidade e fazer o rompimento do vínculo, é uma dor que atinge toda família”. Geralmente a criança sente vergonha e até mesmo culpa, e acaba não relatando o ocorrido.

DANOS – Há casos em que mesmo diante do relato, a vítima não é levada a sério por quem deveria protege-la, o que pode causar danos psicológicos para a vida inteira. “Geralmente o agressor é quem deveria proteger aquela criança. Então aquela criança não tem voz, e sair daquele ciclo de violência é muito mais difícil. Então o fato daquele que deveria ter tomado atitude e procurado as autoridades, não ter feito, causa mais dor” pontua a delegada.

SUPERAÇÃO – O registro postergado é uma libertação para mulheres já adultas que em algum momento da infância sofreram abuso, e por anos carregaram a dor da culpa. “São pessoas com 30, 40 anos, que vem até a delegacia registrar ocorrências para notificar fatos de quando eram ainda crianças. A gente registra, e entende que esse é um processo da pessoa. Em alguns casos, os crimes já prescreveram. Mas acolhemos e entendemos que esse é um processo da pessoa de vencer aquela barreira, e resolver aquilo consigo mesma”, afirma.

CICLO DE VIOLÊNCIA – O abuso de vulnerável é o início de um ciclo que acaba gerando outros tipos de crime. “A gente sabe que a violência de gênero é cultural. Essa visão da mulher, do sexo feminino como objeto, isso vem de muito tempo. Essa violência não passa a existir a partir do momento que a mulher fica adulta. Acontece muito antes com as meninas, que são as maiores vítimas, seja com maus tratos ou com abusos sexuais. Como é que vamos combater a violência de gênero? Com educação”.

NÚMEROS – A crescente nos números referentes a estupro de crianças e adolescentes é vista de forma positiva pela delegada Marília. “Talvez a questão de nós termos números significativos no Sinesp (Ministério da Justiça) seja um ponto positivo para MS, porque se nós estamos falando de uma violência subnotificada, onde apenas 2% dos casos chegam as autoridades policiais. Então nós enquanto Estado estamos fazendo uma política pública correta, de rede de atendimento a criança, e não só de delegacia de polícia. É um dado importante, porque dar voz a essa criança de direitos violados é muito difícil”, explica.

HUMANIZAÇÃO – O papel da DEPCA é de acolhimento humanizado. A equipe é composta integralmente por mulheres treinadas para estabelecer uma relação de confiança com as vítimas, de modo a concluir o inquérito que dura em média 30 a 60 dias. “Nós temos o setor multidisciplinar formado por psicólogas, assistentes sociais, pedagogas, e com formação jurídica também. Todas passaram por cursos para acolher essas crianças da melhor maneira, e fazer os depoimentos especiais conforme a nova legislação”.

INTERIOR – No interior do Estado, as regionais possuem Delegacias da Mulher, que também tem a atribuição de investigar crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes. Nas demais cidades, esse trabalho se concentra nas Delegacias de Polícia (DP´s) que trata esses casos de maneira específica. “Dentro de um processo técnico nós temos também a formação de 60 policiais, entre delegados, investigadores e escrivães de polícia que passaram por curso recentemente. Então a ideia é cada vez mais formar policiais capacitados para fazer essa abordagem humanizada”, conclui.

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