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Indígenas de MS são vítimas de “chuva de agrotóxico”

Com a liberação de arrendamentos, famílias temem envenenamento de córregos nas aldeias

13 Mar 2021 - 17h00Por Luiz Guilherme
Dirce Canteiro, o marido e os sete filhos moram literalmente no meio de uma plantação de soja há um ano - Crédito: Luiz GuilhermeDirce Canteiro, o marido e os sete filhos moram literalmente no meio de uma plantação de soja há um ano - Crédito: Luiz Guilherme

Cerca de 16,94 hectares de terras indígenas estão arrendados para produtores rurais em Dourados, utilizadas para o plantio de soja e milho. É uma verdadeira “chuva de agrotóxico”, segundo os moradores indígenas próximos a essas áreas, já que em determinados períodos da safra seja de soja, ou milho, as plantações são pulverizadas também com aviões.

O ambiente nas aldeias Bororó e Jaguapirú não é o mesmo de antigamente. A reportagem esteve no local e conversou com a Dirce Canteiro. Ela, os sete filhos e o marido, moram literalmente no meio de uma plantação de soja há um ano. A terra é de propriedade do casal, porém está arrendada para não-indígena há três [anos]. “Vivemos no meio da plantação, na época de plantio eles [produtores rurais] vem, jogam veneno. Esses dias mesmo, bem na hora do almoço, começaram a passar veneno na soja”, relatou.

Com a falta de água há quase um mês em alguns pontos das aldeias, as nascentes que até então eram opções para algumas famílias, causam medo devido a possível contaminação pelos defensivos. Morador da reserva, Nelson Ávila contou que “quase ninguém mais consome água das minas, pois está tudo contaminado. Algumas famílias, que não têm outra alternativa, ainda procuram ferver a água antes de consumir, mas nem todos tem esse conhecimento e, consequentemente, acabam bebendo água com veneno”, pontuou.

Liderança indígena

No entanto, segundo o cacique da aldeia Jaguapirú, Izael Morales, os arrendamentos são feitos de indígenas para indígenas. Ele afirmou ainda que a base da economia das duas comunidades são a agricultura. “Hoje, os arrendamentos são feitos de indígenas para indígenas, há muitos produtores dentro da própria aldeia. Até porque, a agricultura é a base da economia, há moradores estruturados, com maquinários e que plantam soja, milho, entre outros”, pontuou.

Portaria libera

Uma nota normativa publicada em 24 de fevereiro de 2021, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), se queixa da ‘atitude nociva do governo federal’, ao autorizar que indígenas e não-indígenas possam explorar áreas da reserva para fins econômicos, sem que os povos sejam consultados.

No entanto, em contato com o Ministério Público Federal (MPF), O PROGRESSO foi informado que a Constituição Federal “define as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, como bens da União”, enquanto a Lei 8.176/91 considera “crime de usurpação produzir bens ou explorar matéria prima nestas áreas, a não ser com autorização expressa da União”. Enquanto fica nesse impasse, uma Instrução Normativa de 16 abril de 2020, “concede certificação de imóveis rurais em terras indígenas não homologadas”.

Em 2020, decisão inédita da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul condenou um fazendeiro, piloto agrícola e uma empresa a pagarem, conjuntamente, R$ 150 mil à comunidade Tey Jusu (etnia guarani kaiowá, localizada em Caarapó). A condenação se deve a uma “chuva de agrotóxicos” jogada por um avião que pulverizava fungicida numa plantação de milho. O caso aconteceu em 11 de abril de 2015, e como consequência, crianças e adultos foram intoxicados, sofrendo dores de cabeça e garganta, diarreia e febre.

“Passaram de avião e não queriam nem saber, jogou em cima dos barracos, em cima da gente”, contou Naldo Damiel, na época.

Dourados já serviu e ainda é, ‘palco’ para conflitos entre indígenas e produtores rurais. Em 2012, por exemplo, nove pessoas entre fazendeiros e índios, se tornaram réus em ação ajuizada pelo MPF de Mato Grosso do Sul, acusadas de arrendamento de terras da União. À época, a prática considerada crime, teria acontecido entre 1996 a 2008, sendo que, em alguns casos, o proprietário legal da terra, ou seja, o índio, recebia cerca de R$ 2 mil por safra, podendo chegar a R$ 3 mil, no caso do uso de sete hectares ao ano.

Produtos orgânicos se tornam fonte de alimentação saudável na aldeia

Para escapar do veneno, famílias investem em produtos orgânicos

Num espaço pequeno, o pequeno produtor rural Nelson Ávila cultiva verduras e legumes orgânicos, ou seja, sem agrotóxico algum. O trabalho se tornou fonte de alimentação saudável e claro, de renda. Diariamente são cultivadas alfaces, cebolinha, salsinha, abobrinha, entre outros. Segundo ele, o projeto que teve início em junho de 2020, é uma “oportunidade de consumir alimentos sem agrotóxicos”. “Estou terminando a graduação em biologia pela UFGD [Universidade Federal da Grande Dourados], e junto com algumas famílias e minha esposa, vendemos nossas verduras e legumes na reserva, e na feira, aos fins de semana”, relata Nelson.

Saiba mais | Como denunciar?

O Ministério Público Federal informa que denúncias de arrendamentos de terras podem ser feitas por qualquer cidadão, por meio da Sala de Atendimento ao Cidadão (https://aplicativos.mpf.mp.br/ouvidoria/app/cidadao/manifestacao/cadastro/2), sendo o anonimato garantido.

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