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Editorial

Veneno para todos

28 Jun 2018 - 07h00
Veneno para todos -
As mudanças que acontecem em outros países não são parâmetros para o Brasil, principalmente em relação aos venenos utilizados nas lavouras. Apesar do Senado estar discutindo algumas medidas restritivas, o mesmo não acontece com a Câmara dos Deputados, que através de uma comissão especial, aprovou por 18 votos a 9, o PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno. A votação aconteceu em uma sessão na qual foi proibida a presença de representantes de organizações da sociedade civil, mesmo aquelas com credenciais. Na lista dos que deram aval para o evenenamento das famílias, estão dois parlamentares de Mato Grosso do Sul. A decisão da comissão é o primeiro passo para escancarar ainda mais as portas para o envenenamento da sociedade. Caso o projeto de lei seja aprovado em plenário, uma série de substâncias nocivas à saúde humana, aos recursos naturais e aos ecossistemas entrarão em vigor. Além disso, de acordo com o texto em análise, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e o Instituto Brasileiro de Defesa do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis perderiam o poder de veto sobre o registro dos agrotóxicos, passando a assumir responsabilidades meramente auxiliares. Isso daria ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que geralmente é comandada pelos grandes produtores rurais, poderes máximos em uma decisão que, obviamente, deveria ser transversal e multidisciplinar, com a participação dos ministérios responsáveis por questões ambientais e de saúde. Como já era previsível, a farra dos agrotóxicos que está sendo encampada pela Câmara dos Deputados encontrou resistência na sociedade, mas segue adiante. Instituições como Ministério Público Federal, Fundação Oswaldo Cruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Instituto Nacional do Câncer, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e mais de 300 organizações foram unânimes em condenar o projeto de lei e pedir sua rejeição pelos deputados federais, o que não acabou acontecendo, pelo menos na comissão. A Fiocruz, uma das mais renomadas instituições de ciência e tecnologia em saúde do mundo, com mais de 100 anos de história, é categórica ao afirmar que o projeto de lei compromete seriamente a saúde das gerações atuais e futuras e somente atende a interesses econômicos. No entendimento da instituição, a proposta significa um retrocesso que põe em risco a população, em especial grupos vulnerabilizados como mulheres grávidas, crianças e os trabalhadores envolvidos em atividades produtivas. O pensamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária não é divergente e ressalta que as principais propostas da medida em tramitação na Câmara enfraquecerão o sistema regulatório de agrotóxicos, prejudicando de forma significativa a qualidade, eficiência e efetividade do controle dos agrotóxicos e afins, tornando ineficiente a missão do Sistema Único de Saúde de proteger a saúde da população. Os posicionamentos contrários ao projeto são bem fundamentados, na medida em que apontam as consequências para a sociedade, caso seja aprovado. Na realidade, a liberação de produtos hoje proibidos devido a características cancerígenas e mutagênicas é um erro grave. Esses mesmos entendimentos ressaltam que, além de uma relação direta com a saúde humana, tem significativos reflexos na área ambiental. Ninguém quer os rios, os solos e o ar contaminados pelos produtos utilizados na agricultura, sejam eles cancerígenos, mutagênicos ou não. O que causa indignação é que, atualmente, mais da metade dos agrotóxicos usados no Brasil são banidos em países da União Europeia e nos Estados Unidos. Como se isso já não fosse suficientemente prejudicial, os representantes da população querem revogar a proibição de venenos que já estão banidos internacionalmente e também no Brasil. Com aprovação do Pacote do Veneno, e por meio de uma jogada de marketing, o nome "agrotóxico" muda para "defensivo fitossanitário", escondendo o verdadeiro risco destes produtos.

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