Dourados

Ações concretas de ressocialização que transformam vidas de detentas em Dourados

23 AGO 2018 • POR Da Redação • 08h40

Quem passa pela rua tranquila, de um bairro da cidade de Dourados, não imagina que em uma daquelas casas estão mulheres, condenadas pela justiça, em cumprimento de pena do regime fechado e semiaberto, dispostas a mudar para melhor. No total, são 62 internas (oito do regime fechado) participando de um dos projetos sociais mais importantes já executados na comarca.

O aluguel da casa é pago pelo Estado, um parceiro na ação. Em breve, a casa ao lado será também alugada para expandir o local e permitir uma melhor acomodação das reeducandas e dos materiais utilizados na construção de perucas, bijuterias, produtos alimentícios. Uma horta grande e diversificada fornece verduras, plantas medicinais e ornamentais. Diariamente, os vizinhos deslocam-se até o local para comprar verduras frescas.

Na rua lateral, uma lojinha foi construída para a venda dos artesanatos, de deliciosos pães de mel, bolos e sucos. Bonecas lindíssimas de pano enfeitam o lugar. Os sucos detox, servidos na loja, são feitos na hora. As detentas produzem pão de mel por encomenda e para venda a pronta entrega e esforçam-se para atender a todos os pedidos.

Na parede da loja, um enorme vidro presenteia o visitante com a imagem do espaço verde onde as verduras e as plantas são cultivadas. Quando o terreno foi cedido para a plantação, foi necessário prepará-lo e oito caminhões de terra e entulho foram retirados para o início do cultivo – até o gengibre do suco detox é plantado ali.

Os valores arrecadados com a comercialização de todos os produtos auxiliam na manutenção das detentas e no meio desse processo de transformação está Andréia, 35 anos, com duas condenações que, somadas, atingem 13 anos e oito meses de prisão. Ela conta que era doméstica, acostumada com o trabalho duro, e nesse tempo de cárcere aprendeu a fazer muitas coisas como diferentes tipos de salgados, crochê, bonecas de pano, bijuterias, cuidar de plantas.

Mas o que Andréia faz melhor são perucas. Isso mesmo. Ela fez curso e virou peruqueira, uma profissão reconhecida e que acabou por transformar a vida de muitas pessoas. Os cabelos são doados, separados, tratados e costurados. Quando as perucas estão prontas, são doadas para mulheres que estão em tratamento contra o câncer.

Em março deste ano, 20 perucas foram entregues para a Associação de Combate ao Câncer da Grande Dourados (ACCGD), que faz a distribuição entre as pacientes nos hospitais que passaram pelo tratamento de quimioterapia ou radioterapia e sofreram a queda do cabelo. A doação integrou uma das muitas ações da Execução Penal da comarca, que direciona o dinheiro arrecadado das penas alternativas de atividades de cunho social.

O juiz César de Souza Lima, da 3ª Vara Criminal de Dourados (com competência da Execução Penal), responsável pela implantação dessas e outras propostas, mostra o local detalhadamente e explica que tudo foi pensado cuidadosamente para permitir que as mulheres aprendam um ofício e tenham um forma de sustento quando deixarem o sistema carcerário. “Nossa maior preocupação é com o preconceito, por isso o local de detenção não é identificado”, ressalta.
 

Ele não esconde que tem muita vontade de implantar algumas dessas ações no presídio masculino, porém, por vários fatores, reconhece que não é possível. “Para o masculino temos uma parceria com o Senai, embora, as atividades sejam poucas. Vamos voltar os esforços para proporcionar às mulheres um curso de paisagismo. O mercado existe e um curso de três ou quatro meses seria o ideal. Com o apoio e a parceria do promotor Juliano Albuquerque, muitos outros projetos virão”, garante o juiz.

Muitas são as propostas atendidas pela Execução Penal de Dourados e inúmeros são os voluntários e colaboradores dessas ações. Andreia é um exemplo dessa multiplicação de compromisso com o próximo, pois, em poucos meses, ela deixará o cárcere, mas deve ensinar o que aprendeu às mulheres presas. “Ainda não sei bem o que vou fazer, mas aprendi muita coisa e muitas oportunidades podem surgir com os novos conhecimentos”.

Alguns dos projetos da Execução Penal auxiliam estudantes com aulas de natação, de tênis – como é o caso do Projeto Saque e Voleio, realizado com crianças e adolescentes de bairros carentes de Dourados, ou ainda do Monte Sião, que busca a inclusão social e a difusão de ideais de acessibilidade, bem como propagar os princípios de solidariedade e fraternidade.

Este projeto beneficia paratletas locais, fornecendo material esportivo (dardos, discos, martelos, colchões, pesos, uniformes, entre outros acessórios essenciais para a prática de atletismo), permitindo que uma equipe multidisciplinar composta por especialistas voluntários desenvolva as potencialidades dos atletas com necessidades especiais.

O juiz é muito cauteloso com o direcionamento das verbas e fica levemente constrangido com o reconhecimento dos que são beneficiados com as ações sociais, mas não consegue esconder a satisfação de auxiliar e servir a população da comarca onde judica. “É difícil, enfrentamos muitos obstáculos, mas é trabalho de todos os magistrados disseminar a paz social. Estamos só fazendo nosso trabalho”, conclui.